O Bolo Molhado

Era um domingo de manhã. Os amigos haviam combinado de ir pra cachoeira, aproveitar o sol, as belezas naturais e um bom piquenique entre a galera. Tudo estava programado na mais perfeita harmonia, exceto a chuva que caiu logo no início da manhã. O grupo iria se encontrar na porta do SAAE às 8 da manhã para de lá subirem para a cachoeira. Como a chuva, mesmo fininha, já era uma chuva e começou por volta das 7, Nayara, a organizadora do evento, começou a ligar para todo mundo mandando que eles fossem para a sua casa e levassem os mantimentos para lá. E de sua casa eles veriam se fariam o piquenique na garagem ou se esperavam o sol raiar.

Como eram muitas pessoas, e não existiam celulares e grupos de WhatsApp na época, Nayara gastou um tempinho bom ligando para o telefone fixo detodos, até que quando ela ligou para Iago, ela teve a triste notícia:

- Uai, ele já saiu pro SAAE - confirmou a mãe dele - ele foi mais cedo porque ele passou a noite inteira fazendo um bolo pro piquenique, e não tinha ninguém pra ajudá-lo, então ele foi andando na frente pra ir carregando o bolo devagar.

- Se você conseguir falar com ele, avisa ele pra vir pra minha casa - finalizou Nayara.

A desgraça já estava feita. Para quem não sabe, Iago era conhecido pelas suas habilidades culinárias e por ser um piadista nato. O problema era que ele era o paradoxo do humor. Quando estava de bom humor, era a pessoa mais amável do mundo. Quando algo fazia raiva nele, ele era capaz até de botar fogo em um membro da sua família (fato verídico).

Uma vez, ele caiu de bicicleta no centro da cidade, ralou toda a sua costa, e a bicicleta deu um nó de tão amassada que ficou. Ele simplesmente se levantou, catou a bicicleta, ou o que restou dela, e saiu correndo com a camisa rasgadas e as costas sangrando pela rua movimentada, como se nada tivesse acontecido. Sem contar no dia que ele conseguiu a façanha de cair em um mata burro caminhando.

O grupo não conseguiu se comunicar com Iago então não havia outra solução a não ser deixá-lo mofando lá até ele desconfiar que os seus amigos estariam na casa de Nayara e resolvesse descer. A turma estava toda lá fazendo festa quando de repente, após umas duas horas, Iago chega na casa de Nayara, cansado, com um bolo de dois quilos debaixo dos braços e muita raiva no rosto. Ele já recusou todos os cumprimentos e ficou puto por ninguém tê-lo avisado que era pra esperar na casa de Nayara e não no SAAE, conforme fora combinado previamente. Depois de muitas tentativas de justificar e de desculpar, Iago voltou a se socializar com seus colegas e o almoço foi servido, porém Iago não deixou ninguém comer seu bolo, alegando que ninguém o ajudou a carregar ele debaixo da chuva e que ele comeria o bolo sozinho.

Após o horário do almoço, o sol raiou e a turma decidiu subir para a cachoeira. Iago pediu que alguém o ajudasse a carregar o bolo na subida da rodoviária até o SAAE (quem mora em Formiga sabe que é um morrinho bem extenso), mas ninguém se dispôs a ajudá-lo. A ira dele só aumentava e ele falou que ninguém iria comer o bolo dele, pois ele já havia carregado o bolo da casa dele até o SAAE, do SAAE até a casa da Nayara, e agora carregaria novamente da Nayara até o SAAE e depois disso até a cachoeira.

Com dó do esforço de Iago, vários amigos se ofereceram para ajudá-lo, mas o orgulho dele era maior que tudo e ele não aceitou a ajuda de ninguém, reforçando sempre a ameaça que o primeiro que lhe pedisse um pedaço de bolo iria tomar um soco na boca. Chegando na estrada de terra, a turma de peregrinos tinha duas opções: subir pela correnteza, fazendo uma aventura radical e refrescante, ou ir pela estrada de terra até chegar ao topo da cachoeira. Nem é preciso citar qual foi a escolha do grupo: subir pela correnteza.

E lá estava Iago carregando o seu bolo, com água até nos joelhos. Quanto mais a turma avançava, mais a água ia aumentando, contudo o jovem rapaz não desistia. A primeira expedição já havia alcançado o topo da cachoeira e estavam sentados em cima de uma pedra e a cena que eles viram ficou para sempre em suas memórias. Iago estava com água até pra cima da barriga, e carregava o bolo sob a cabeça, com as duas mãos erguidas. Ele sabia que podia ir andando tranquilamente porque todos que estavam a sua frente não haviam ficado completamente submersos, porém ele não contou com um fator: buracos. Sem perceber, ele deu um passo em falso e a cena que todos viram foi apenas Iago desaparecendo dentro da água, levando o bolo consigo.

Em menos de um segundo, como um vulcão em erupção, o cara saiu da água com o bolo nos braços e uivando ferozmente, amaldiçoando todos ao seu redor. Os amigos não sabiam se riam, arriscando perder todos os dentes, ou se tentavam oferecer ajuda, sofrendo alguns ataques que os deixariam com fraturas expostas. O que reinou foi um silêncio profundo até que Iago solta uma exclamação:

- Eu emplastifiquei o bolo. Não tem problema, ainda dá pra comer.

Todo mundo sairia dali com vida, era o que todos imaginavam. Iago chegou à pedra e começou a tirar o plástico, na esperança de que ainda desse para comer bolo. Assim que ele abriu o plástico, a água começou a transbordar de dentro do bolo e ele se esfarelou. Antes que alguém risse, Remi já gritou:

- NINGUÉM, NINGUÉM ME AJUDOU A CARREGAR ESSE BOLO! AI SE ALGUÉM RECLAMAR QUE EU FUI O CULPADO POR DEIXAR ELE CAIR NA ÁGUA.

O silêncio reinou neste dia, o grupo ficou com fome e Iago nunca mais fez um bolo sequer na vida.

Este e outros causos fazem parte de uma coletânea intitulada “Curriculum Merdae”. Os personagens e estórias são fictícias e qualquer semelhança com pessoas ou eventos reais é mera coincidência.

Lalinho
Enviado por Lalinho em 18/01/2016
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