O aluno desletrado
Esta é a história de Janaina, uma jovem garotinha que resolveu entrar para o Ensino Superior e fazer uma faculdade de Letras em uma cidade no interior de Mato Grosso do Sul, para poder aprofundar no seu sonho de estudar literatura. A princípio, ela idealizou que o ambiente escolar seria o máximo: jovens no corredor declamando versos de Camões ou de Vinícius de Morais, haveria um clube de discussão literária sobre Machado de Assís e as pessoas conversariam apenas em línguas estrangeiras exóticas. Coitada.
Chegando à sala de aula, havia 40 vagas para o curso e somente 32 duas haviam sido preenchidas, ou seja: bastava assinar o vestibular para entrar. E no final deste causo, Janaina tinha certeza que um de seus colegas de classe errou na assinatura de seu nome. No primeiro dia, na hora das apresentações, o professor pergunta:
-Por que vocês estão fazendo este curso?
- Eu queria Geografia, mas não abriu turma.
- Eu queria História, mas não abriu turma.
- Eu não passei em Medicina Veterinária, minha primeira opção, e também não passei em Administração, minha segunda opção, então vim para este curso.
- Eu comecei a fazer Fisioterapia, mas achei muito difícil, então larguei e resolvi fazer um curso mais fácil neste ano.
Aquilo quebrou o espelho subjetivo de Janaina com tanta força, que ela queria cortar os pulsos e sair correndo pelos corredores pelada. Entretanto ela ainda iria persistir, faria o seu papel e foda-se os seus coleguinhas de classe. Havia muita gente boa sim, mas os poucos ruins, eram ruins demais. Um dia, o verdadeiro protagonista da estória, fez uma pergunta:
- Professor, para tudo! Não estou entendendo nada desse trem aí.
- Sim Josias, desde que ponto você não entendeu?
- Tudo! Esse lance aí de primeira pessoa do singular, segunda pessoal do plural, não entendi nada!
Janaina tentou acreditar que foi uma defasagem do Ensino Médio público e acreditou nisso piamente para não se matar nos primeiros dias de aula.
Haviam também os trabalhos em grupo. Houve um teatro em que era para Josias ser um personagem de Hamlet. A função dele no teatro era: você se esconde atrás da cortina, a Janaina vai te dar uma espadada, você cai no chão morto. Os outros membros do grupo já haviam recomendado para não deixar Josias com muitas (ou nenhuma) falas, pois ele não dava conta de decorar, mas a coisa era pior do que aparentava. Na hora do teatro, lá estava Josias escondido atrás da cortina, quando entra Janaína fantasiada de Hamlet. A protagonista começou a dar estocadas em Josias com uma espada de plástico, mas este não fazia nada, andava de um lado para o outro atrás da cortina. Janaina continuou apunhalando e nada de Josias morrer. Janaina então percebendo que ele havia esquecido sua fala (cena), proclama para o público: “Então, eu matei este farsante!” e prossegue com o teatro, no improviso. Quatro cenas adiante, sai Josias de trás da cortina e fala:
-Ai gente, desculpa! Me deu branco e eu esqueci de morrer! Teve também um trabalho em dupla. Como ninguém queria fazer com Josias, sobrou para Janaina fazer trabalho com ele. Para fazer com que Josias se sentisse útil, Janaina pediu que ele copiasse as respostas. Ditado vai ditado vem, chega um momento que Janaina fala:
- Então, Padre Antônio diz que eles eram bons ladrões entre aspas - e faz o gesto com os dedos - pois eles roubavam... - nisso seu olho dá uma escapulida para o texto que Josias copiava e vê que ele colocou parênteses no lugar
- Peraí, eu disse aspas.
- Pois é, eu coloquei as aspas - e Josias passa o lápis para mais uma camada de burrice por cima dos parênteses já traçados.
Era demais para uma pessoa só e a sala acabou se acostumando com o probleminha de Josias, mas ainda era impossível não ficar de cara e rir das coisas que aconteciam.
Em uma aula de Literatura Brasileira, dia da ficha de leitura sobre o livro I-Juca Pirama. A professora pergunta:
-Pessoal, o autor cita o nome do protagonista do livro?
Uma aluna exemplar responde:
-Não cita não professora. Ele passa o livro inteiro sem dar nome pro índio e tal...
Até que Josias interrompe:
-Fala sim! – e continua vasculhando o livro, para tentar dar um palpite relevante na discussão e ganhar seus pontos – aqui ó, página 1 (até onde ele conseguiu ler), “seu nome, era icógnito”. Tá vendo, o índio se chamava Icógnito!
A professora teve que sair da sala e tomar um ar para não torcer o pescoço de Josias ali mesmo. Houveram algumas manotas menores de Josias, como na aula de recurso anafórico em que estavam substituindo as repetições em um texto por pronomes e ele pergunta:
-Posso substituir cavalo pela palavra animal?
E teve também quando eles estavam cursando a aula de psicologia cognitiva e a professora falava sobre o déficit de atenção e Josias aproveitou esse gancho pra justificar sua burrice:
-Eu tinha isso quando eu era criança!
“Só quando você era criança?” Pensou a sala em conjunto. No último dia de aula, um professor chamou a atenção de Josias e falou:
-Vou botar uma frase no quadro, se você me responder a pergunta que vou fazer corretamente, saio daqui feliz.
– E o magister escreveu “João brigou com Maria” – Josias, qual o sujeito e o verbo nesta frase?
-Uai o sujeito é brigou? O verbo é Maria?
O professor achou que era zueira, mas não era.Todos se formaram e Josias ficou pra trás. Mas ele sempre afirmava de pés juntos que já estava graduado e que só não tinha pego o diploma ainda pois estava devendo duas mensalidades na faculdade, que iria quitá-las para depois sair lecionando. LECIONANDO.
Este e outros causos fazem parte de uma coletânea intitulada “Curriculum Merdae”. Os personagens e estórias são fictícias e qualquer semelhança com pessoas ou eventos reais é mera coincidência.