A Insônia de Chico

Castigado pela insônia e sofrendo seus efeitos desastrosos, Chico passou a caminhar pelas ruas da noite. Andava e tagarelava sozinho, como um louco. Tinha a intenção de cansar o corpo e a mente. E com o desgaste de suas pernas e cordas vocais, sentiria um cansaço e conseguiria dormir, nem que fosse um pouco. Porém não dava certo.

Ele insistia em suas andanças. Consciente. Estava disposto a qualquer sacrifício para por fim e se livrar daquela maldição que tirava-lhe as energias durante o dia. Até alguns quilos foram-lhe roubados pela danada da insônia.

Num determinado instante, Chico lembrou das histórias contadas por sua bondosa vovó Martinha. Ela disse-o, quando criança, que caso não conseguisse dormir, era só contar estrelas que logo o sono viria. E ele tentou. Ficou parte da noite contando aqueles seres brilhantes. Chegou a perder as contas e começou de novo. Intentou até elas sumirem. E nada. Considerou uma blasfêmia da querida vovó Martinha. Mas valeu a tentativa.

Já no final da tarde, depois de refletir por um longo tempo, Chico decidiu desafiar a noite de frente. De peito aberto. Chamou-a para uma batalha. Direta. Ele era determinado.

Começou pela madrugada. Consciente e sem sono, conferiu o relógio. O escravo do tempo registrava uma hora e trinta minutos. Chico sentou na varanda da casa e trancou seus olhos. Ficou na mesma posição até sentir seu corpo ser tocado pelos raios solares. Ele sorriu. Comemorou ter ganho a primeira batalha. Fez a primeira vítima. Ficou feliz. Antes tinha medo e pavor da noite, mas com a nova estratégia, passou a torcer para que chegasse logo o fim da tarde. Há tempos não sentia-se tão bem.

E a noite caiu com o céu recheado de estrelas. E foi Chico para seu novo desafio. Em pé na varanda, convidou a noite para um duelo de resistência. Não quis assentar e nem fechar os olhos. Aquela estratégia já estava manjada. Ficou com as duas bolas castanhas arregaladas encarando a noite e as estrelas, quase sem piscar. Disse com segurança: “quero ver quem desiste primeiro”.

Chico não desistia. A noite também não. Foi uma briga acirrada. Depois de longas horas a noite fugiu. Ele comemorou mais uma vez o seu triunfo.

Contente, Chico foi dormir, como de costume, das sete às treze horas. Ao acordar, se fortalecia com um bom banho, seguido por um lanche reforçado e se dirigia para o trabalho, até as dezoito horas.

Ao chegar em casa, jantava e corria para a varanda, com o intuito de desafiar a noite novamente. Gostou das últimas vezes em que levou a melhor. Mesmo com toda aquela insônia, sorria ao observar a noite fugir logo pela manhã.

Cláudio Francisco
Enviado por Cláudio Francisco em 01/01/2016
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