OS MANEQUINS

Transeuntes não resistiam as imagens interessantes à mostra naquele local. Entravam ou espiavam através das vitrines, como fazia diariamente aquele jovem misterioso e bem-vestido.

Era assim durante todo o dia naquela loja de roupa, conhecida nacionalmente e com uma ponta no exterior, como a Casa de Andrey e seus manequins.

As roupas à venda e as centenas de manequins despertavam curiosidade. Tinham diferentes idades, etnias, características físicas e posições sociais. O jovem Andrey foi ousado. Como eles atraiam a atenção dos clientes, o proprietário resolveu aproveitar e atribuiu bom preço em suas mercadorias. Tornou o negócio lucrativo.

Em um canto da loja, uma família inteira representada pelos manequins. Relembravam momentos distintos na vida em sociedade. Alguns simulavam assistir TV, sentados num sofá. Alguns deles trajavam camisas polo e calças jeans ao lado das esposas que vestiam shorts coloridos e camisas de malha. Filhos adolescentes cobriam parte do corpo com camisetas e a outra com bermudas jeans. E as babas, como sempre, prestativas, tinham no colo bebes com roupas leves.

Em outro canto da loja de Andrey um casal de namorados. Alegres e descontraídos. Decoravam o rosto com óculos escuros, acessórios comercializados na loja. Os apaixonados tinham as mãos recheadas de presentes. Simulavam trocar as mercadorias com carinho. E como sempre, belas roupas. Estratégias inteligentes de Andrey.

No fundo da loja, três casais de amigos num gostoso bate-papo. Vestiam roupas de verão e coloridas. Um pouco de areia de praia no chão e o sol desenhado na parede, tornava aquele cenário típico de um encontro a beira-mar.

Próximo daquele casal de amigos manequins, separados por uma divisória de vidro, o boneco de um homem elegante. Usava terno, gravata e trazia uma mala preta na mão, também à venda na loja. Parecia discursar e acenava para um grande número de manequins de diferentes idades e classes sociais. O cenário era semelhante a uma praça, com um palanque, improvisado por Andrey e sua equipe. E aquele homem, com a boca semiaberta, parecia tagarelar com promessas bem conhecidas. E os manequins ouvintes, idosos, jovens e crianças, enquanto alguns batiam palmas, depositando credibilidade aquelas falas, outros torciam o rosto, como se estivessem cansados e esgotados das propostas mirabolantes.

O cenário que mais se destacavam era a ala dos uniformizados. Impressionavam o público pela originalidade. Decoravam toda a extensão da entrada da loja de Andrey. Os bonecos simulavam exercer a profissão. Entre eles padeiros, professores, advogados, secretárias, médicos, empregadas domésticas, músicos e tantos outros. E Andrey aproveitou para faturar. Sua loja produzia e vendia uniformes de empresas da região e ainda negociava contratos de publicidade para que as marcas fossem utilizadas pelos manequins.

A Casa de Andrey era passatempo predileto de pelejadores em horário de almoço ou descanso. Nos dias de promoção, cada espaço era disputado com fervor. Os clientes se exprimiam entre os manequins, os vendedores e Andrey, que fazia questão de estar na loja todos os dias bem cedo. E era um dos últimos a sair.

Entre os vários clientes e observadores, um tornou-se fiel. Nas três últimas semanas, religiosamente, marcava presença diária. Ficava do lado de fora e espiava através da vitrine com um intenso brilho no olhar.

Aquele jovem, aparentemente, não teria dificuldade em comprar uma peça de roupa na loja. O pagamento era facilitado. Podia ser no carnê ou cartão de crédito com prazo estendido.

As vendedoras, notaram a presença daquele jovem e comentaram com Andrey.

Noutro dia, quando o jovem se aproximou, Andrey foi avisado:

- Veja! Ele chegou! No mesmo horário de sempre: às 17:00hs!

Andrey fitou o relógio e conferiu a informação. Disse que iria convidá-lo para entrar e conhecer a loja. Sem esconder a curiosidade, caminhou até o rapaz, convicto que realizaria mais uma venda. Abordou-o:

- Boa tarde meu jovem! É agora ou nunca! Sei que namora a mais de três semanas uma daquelas peças ali no vestuário. Faço promoções imperdíveis! É só escolher.

O observador, educado, apenas sorriu. Não tinha a intenção de interromper o vendedor proprietário. E Andrey continuou:

- Se não tiver dinheiro agora, não tem problema. Leve agora e pague depois. Aparenta ser de confiança. Bom sujeito. É um dos nossos fiéis observadores.

O jovem continuava dando atenção as técnicas persuasivas de Andrey. Achou-o convincente. Até compraria uma roupa, mas seu interesse era outro.

Ele cumprimentou o dono da loja e apresentou-se como Jairzinho. Parabenizou-o pelo sucesso. Ergueu o braço e apontou o dedo indicador para dentro do comércio, despertando atenção dos funcionários. Em seguida, relatou seu desejo:

- Não quero a roupa, apesar de belas e bom preço. Na verdade, eu quero um manequim. Aquele ali do canto, vestido de padeiro.

Andrey acompanhou com os olhos. Em silêncio e surpreso. Passados alguns segundos, indagou-o:

- É isso que espia quando passa por aqui? Por qual motivo quer o manequim vestido de padeiro?

- Ele lembra-me um amigo de infância. Trabalhamos juntos numa padaria. È parecido com o Tom. Que saudade!

Andrey continuou perplexo. Tinha ouvido brincadeiras a respeito da semelhança dos manequins, porém apenas com dose de humor e ironia. Espantou-se. Jairzinho falava sério. Tinha os olhos marejados. Andrey respeitou a sua emoção e esperou que concluísse. Ele continuou:

- Eu e meu amigo Tom, tivemos uma infância difícil no interior. Éramos pelejadores e fizemos uma promessa: ao crescer nos esforçaríamos para ter nossa própria padaria. E manteríamos vivo o desejo deste sonho. Fantasiávamos com seriedade e otimismo.

Andrey olhava para Jairzinho com alegria. Ele terminou de relatar sua história envolvente:

- Infelizmente perdemos contato. Até o procurei pela cidade, mas em vão. Hoje eu tenho a minha padaria. Não sei ele. Você me vende o manequim do Tom? Pode falar o preço. Eu pago.

Andrey refletiu no pedido de Jairzinho. Sentiu sinceridade nas suas palavras. E decidiu vender.

- Olha, nunca vendi um manequim. Mas neste caso especial eu vendo. Faço uma boa promoção. Até levo-o para onde quiser, se não importar de pagar o carreto.

Jairzinho sorriu. Contente, disse a Andrey que sua padaria não ficava muito longe.

Após combinarem o preço, Andrey pediu um tempo para preparar o manequim para transporte. O jovem Jairzinho concordou.

Andrey lembrou que aquele manequim, vestido de padeiro, era parecido com o Wellington, dono de uma das padarias da região. Ele pediu e pagou caro para que o boneco ficasse parecido com ele. Logo Andrey fez uma ligação telefônica:

- Boa tarde! É da padaria do Wellington?

- Sim. Quem deseja?

- Diga que é o Andrey da loja de roupas.

- Só um instante. Verei se ele pode atendê-lo.

- Olá Andrey! Tudo bem? Como vão os manequins?

- Estão bem. Ótimos.

- Qual o motivo de sua ligação? Por acaso está expirando o contrato do meu boneco?

- Não! Ainda tem mais alguns meses. Liguei para perguntar se na infância, teve um amigo que trabalhava com você em uma padaria. E se brincavam de contar histórias.

Andrey esperou uma resposta e nada. Chamou-o pelo nome. Uma. Duas vezes. Até que ele respondeu com a voz entrecortada:

- É... Verdade... Como soube? Não me lembro ter confidenciado esse momento especial da minha vida com você.

- Wellington, aguarde que vou te contar pessoalmente. Só lhe peço para preparar o coração.

Empolgado, Andrey colocou o manequim dentro do carro, chamou Jairzinho e avisou-o:

- Vamos! Aperte o sinto e feche os olhos. Confie em mim. Terás uma grande surpresa.

Aquela foi a venda mais emocionante em toda a história da Casa de Andrey. Aumentou a credibilidade do negócio, diante da repercussão do caso na mídia. Aproveitou para aumentar o preço das mercadorias e passou a vender também alguns manequins.

Cláudio Francisco
Enviado por Cláudio Francisco em 20/11/2015
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