Há males que vêm para o bem **
Nunca diga que um infortúnio não leva à fortuna.
Eu nunca tive dinheiro para comprar um carro, e andava pela cidade de bicicleta. Quando a deixava na calçada, a amarrava onde podia: em poste, placa de trânsito, lixeira. Quando chovia a tranca enferrujava e eu comprava outra. Um dia, um dono de uma oficina me vendeu um cadeado que trancava através do posicionamento correto dos quatro discos numéricos que compunham o segredo do cadeado. Dizia o vendedor que esse tipo de cadeado era melhor do que os convencionais que abrem com uma chave.
Percebi que fora enganado pelo vendedor farsante quando na primeira vez em que deixei a bicicleta na esquina do trabalho, vi da janela um ladrão destrancando o cadeado em menos de um minuto. Eu cheguei a tempo de impedi-lo de sair com ela pela rua, e já ia ele caminhando com minha bicicleta pela calçada. Como fiquei intrigado com a façanha, prometi que não chamaria a polícia se ele me contasse como realizou a proeza. Ele riu e me respondeu que era fácil, bastava ser bom de ouvido, pois ao girar cada disco, podia-se ouvir com atenção quando o dígito correspondente se encaixava no segredo, de modo que em poucos segundos o segredo de cada disco estava desvendado. Constatei após isso a facilidade de se desvendar esse tipo de tranca.
A oportunidade de comprovar pessoalmente esta minha nova habilidade aconteceu de uma maneira inesperada.
Eu namorava uma colega de trabalho que era filha de um médico italiano, que por algum motivo não ia com a minha cara. Devia achar que eu não era bom partido. Mas aconteceu que no aniversário dele, minha namorada havia comprado para o pai uma maleta de médico nova em folha e com o mesmo tipo de tranca do cadeado da bicicleta. O pai, ao receber seu novo presente, empolgado, tratou de encher a maleta com seus documentos de trabalho e fechá-la em seguida, a fim de testar o espaço da maleta. Um detalhe, ele havia fechado a maleta sem saber que ela ficara trancada, e com um segredo o qual ele não fazia a menor ideia.
Todos da família tentaram abrir a maleta sem sucesso, enquanto eu pensava comigo mesmo que eu a abriria facilmente. O pai estava desesperado. Após todos tentarem, eu disse para a minha namorada: “Agora é minha vez, que eu a abrirei em poucos segundos”. Segurei a maleta e passei a girar os discos até ouvir a entrada de cada segredo. Em menos de um minuto a maleta estava aberta e o pai estava aliviado de ter reavido seus pertences
E foi assim, graças ao dono da oficina, e ao ladrão de bicicletas, que do infortúnio ganhei afortunadamente a confiança e a bênção do médico. E também ganhei pontos com a namorada. Por isso que é certo o que já diziam os antigos: “Nunc bene navigavi, cum naufragium feci”. O que no meu entender é algo como “Depois de eu ter tomado um caldo uma vez, agora eu ia de boa na canoa”.
Publicado em “Mulheres e seus amores”, disponível aqui em formato E-Book.
Nunca diga que um infortúnio não leva à fortuna.
Eu nunca tive dinheiro para comprar um carro, e andava pela cidade de bicicleta. Quando a deixava na calçada, a amarrava onde podia: em poste, placa de trânsito, lixeira. Quando chovia a tranca enferrujava e eu comprava outra. Um dia, um dono de uma oficina me vendeu um cadeado que trancava através do posicionamento correto dos quatro discos numéricos que compunham o segredo do cadeado. Dizia o vendedor que esse tipo de cadeado era melhor do que os convencionais que abrem com uma chave.
Percebi que fora enganado pelo vendedor farsante quando na primeira vez em que deixei a bicicleta na esquina do trabalho, vi da janela um ladrão destrancando o cadeado em menos de um minuto. Eu cheguei a tempo de impedi-lo de sair com ela pela rua, e já ia ele caminhando com minha bicicleta pela calçada. Como fiquei intrigado com a façanha, prometi que não chamaria a polícia se ele me contasse como realizou a proeza. Ele riu e me respondeu que era fácil, bastava ser bom de ouvido, pois ao girar cada disco, podia-se ouvir com atenção quando o dígito correspondente se encaixava no segredo, de modo que em poucos segundos o segredo de cada disco estava desvendado. Constatei após isso a facilidade de se desvendar esse tipo de tranca.
A oportunidade de comprovar pessoalmente esta minha nova habilidade aconteceu de uma maneira inesperada.
Eu namorava uma colega de trabalho que era filha de um médico italiano, que por algum motivo não ia com a minha cara. Devia achar que eu não era bom partido. Mas aconteceu que no aniversário dele, minha namorada havia comprado para o pai uma maleta de médico nova em folha e com o mesmo tipo de tranca do cadeado da bicicleta. O pai, ao receber seu novo presente, empolgado, tratou de encher a maleta com seus documentos de trabalho e fechá-la em seguida, a fim de testar o espaço da maleta. Um detalhe, ele havia fechado a maleta sem saber que ela ficara trancada, e com um segredo o qual ele não fazia a menor ideia.
Todos da família tentaram abrir a maleta sem sucesso, enquanto eu pensava comigo mesmo que eu a abriria facilmente. O pai estava desesperado. Após todos tentarem, eu disse para a minha namorada: “Agora é minha vez, que eu a abrirei em poucos segundos”. Segurei a maleta e passei a girar os discos até ouvir a entrada de cada segredo. Em menos de um minuto a maleta estava aberta e o pai estava aliviado de ter reavido seus pertences
E foi assim, graças ao dono da oficina, e ao ladrão de bicicletas, que do infortúnio ganhei afortunadamente a confiança e a bênção do médico. E também ganhei pontos com a namorada. Por isso que é certo o que já diziam os antigos: “Nunc bene navigavi, cum naufragium feci”. O que no meu entender é algo como “Depois de eu ter tomado um caldo uma vez, agora eu ia de boa na canoa”.
Publicado em “Mulheres e seus amores”, disponível aqui em formato E-Book.