Medusa
Se medo se materializasse, ele com certeza seria Medusa. Não, isso não é mitologia grega mas, quem ouve falar dela acha que é mito e quem a conhece tem o olhar petrificado literalmente por minutos.
Medusa é pequena e tem cerca de 5 mil habitantes e cada um deles foi gerado e criado sem nunca ter saído dali definitivamente. A cidade parecia uma parte isolada do mundo onde a nossa definição de civilização não significa absolutamente nada. As pessoas andavam vestidas de branco simbolizando o luto quando perdiam uma guerra; quando perdiam alguém importante jogavam seu corpo no mar e escolhiam um parente próximo para ser jogado como companhia. Ninguém se casava; para preservar os cidadãos de Medusa era feito um sorteio para definir um casal e gerar um bebê. O sorteio era feito anualmente e, caso o bebê não sobrevivesse, os pais eram jogados num vulcão que ficava a apenas 7 km dali. Todos sabiam que vida não era uma coisa especial; era só uma consequência.
A cidade não tinha prefeito ou qualquer autoridade responsável. Todos seguiam a cultura que foi passada de pai para filho. O que era hereditário também era a cor dos olhos: amarelo. Não existe registro de ninguém que tenha nascido lá que não tenha essa cor nos olhos. De resto, eram todos bem diferentes.
Já não bastasse o modo estranho dos habitantes de Medusa, até as árvores eram estranhas. Eu diria que tudo era incomum. A névoa encobria a entrada da cidade que, a propósito, ficava mesmo isolada; todas as cidades habitadas ficavam a pelo menos 1.700 km de distância. As árvores que citei rodeavam todas as casas em forma de triângulo; todas muito altas e antigas; algumas sem nenhuma folha ou sinal de vida mas, até as árvores mortas emitiam um outro sinal; um que dizia "Eu vi tudo, eu sei de tudo." Era automática e parecia ser telepática tal mensagem. Ninguém ouvia nada mas todos tinham escutado muito bem.
Outro detalhe é que havia ferrugem em quase tudo mesmo que não fosse feito de ferro ou elemento químico próximo. O vulcão, que era o único vizinho barulhento, tornava o lugar um pouco mais aconchegante, se comparado à brisa gélida que um oceano distante trazia. Lá ninguém ouvia música nem mesmo sabiam da existência de qualquer instrumento musical. As pessoas eram mudas mas porque queriam e, só se sabia disso porque elas davam provas de que escutavam muito bem qualquer som, já que ninguém nunca disse nada. Mesmo assim, tinham linguagem própria. A escrita e a leitura eram prioridade. Podiam escrever sobre qualquer coisa menos sobre Medusa.
Apesar de parecer que tanta coisa singular fosse provida de algum tipo de crença desconhecida por nós, eles não tinham nenhum deus; simplesmente não acreditavam em nada. Tanto silêncio de voz era preenchido pelo barulho ensurdecedor do ar que, ao mesmo tempo que mantinha as pessoas vivas, também gritava em seus ouvidos "Por que insiste em respirar?". Por isso, todos suspiravam incansavelmente ao invés de somente inspirar e expirar. Quando uma vez ou outra alguém finalmente se esgotava, se jogava no mar por vontade própria julgando que já tinha morrido há muito tempo.
Outro país mandou repórteres e curiosos investigar suas vidas. Então, hoje é um dia feliz; é dia de guerra! Todos saem de casa mas a maioria só observa aqueles que saem munidos de tanques de guerra e armas mais potentes que as nossas devido ao tempo prolongado de fabricação e testes. Os integrantes do exército de Medusa são escolhidos sem critério; quem quer lutar vai, quem não quer fica e segue a vida até descobrir que era melhor ter ido do que ficar e fitar o abismo.
Eu não fui, eu vim. Eu sou a milionésima repórter que quis saber mais sobre o lugar mais obscuro da Terra e, pela primeira vez, permitiram que alguém escrevesse sobre Medusa; para que fosse a última vez que tentassem. Certamente, essa é a última vez que escrevo.