Série "Lendas Rurais" A SOGRA
A SOGRA
(Da série “ Lendas Rurais” )
Como existem coisas estranha nesse mundão de Deus, Nosso Senhor, sô! Você não sabe o que aconteceu comigo que me atormenta os miolos e até hoje me enlouquece. Pois vou contar.
Não é por me gabar, mas eu era mui guapo, quando mais moço, bonito, forte, trabalhador. Fazia boa figura. Um dia conheci uma moça e me caiu o queixo por ela.
Após um tempo de namoro e alguns amassos nas macegas, entre madressilvas e amores- perfeitos, perguntei se queria casar comigo e morar embaixo de uma árvore. Imediatamente ela falou – sim! Queria. Aceitou o pedido e após o casório, foi grande sua decepção ao verificar que só tinha uma enorme figueira, nada de casa e vasinho na janela. Eu havia falado a verdade e ela entendeu tudo errado.
Por este motivo, tive que morar ao lado da velha, mãe de minha mulher, que me olhava de lado, como se eu fosse uma peste a rondar suas galinhas que vivia pincelando a garganta com um remédio chamado azul de metileno.
Sempre desconfiei de minha sogra. No aspecto físico encarnava a verdadeira colona do interior. Cuidava das galinhas, dos patos, dos perus e de algumas vacas sem ajuda nesses afazeres. Tudo ficava cuidado e limpo como num passe de mágica. Muito trabalho para uma senhora idosa, mesmo habituada nas lides do campo.
Quando casei com a filha dela, a esta altura, já estava viúva. Mas, o que mais me incomodava nela era seu ar sorrateiro e dissimulado, fingindo não entender as perguntas quando algo estranho acontecia envolvendo seus domínios.
Em sua casa, o que mais me chamava atenção era um grande baú de madeira, arrematado com grossas tiras de couro, grampeado com enormes tachas de metal dourado e hermeticamente fechado com enorme cadeado.
Eu, e depois de um tempo, as crianças, ficávamos curiosos para saber o que havia no misterioso baú. Arquitetávamos planos para roubar a chave que ela mantinha, dia e noite, pendurada no pescoço. Não tirava nem para tomar banho.
Bisbilhotando no sótão, descobri uma caixa com correspondências, cartas vindas de capitais nacionais e até do exterior escritas numa língua que não consegui decifrar. Apelei aos professores da escola de minha filha que se informaram com pessoas versadas em idiomas e confirmaram que a língua não existia. O que dava para perceber é que as datas eram atuais.
Ficava matutando - como esta senhora, já de idade avançada, que mal sabia escrever o nome, nunca tinha viajado nem mesmo para cidades próximas, podia manter essas amizades tão distantes – era a pergunta que não me saía da cabeça, já dolorida de tanto pensar.
As crianças imaginavam que a arca pertencera a um pirata e estava repleta de tesouros: moedas de ouro, jóias, pedras preciosas. Encenavam, com espadas de plástico, lutas à volta e sobre o cobiçado e enigmático cofre.
O tempo passou e não conseguimos abrir a tal caixa. As missivas continuaram a chegar e, sem comentários, ela as guardava, agora, numa gaveta da cômoda de seu quarto.
Com estes mistérios por desvendar, fui vivendo minha vida, sempre preocupado e com medo de minha sogra. Aquela situação já não me divertia mais. Fazia tudo para não incomodá-la, receava sua represália. Os netos, embora também a amassem, ficavam com os olhinhos ansiosos e parados, temendo suas ações.
O inesperado, para mim, aconteceu. Minha sogra morreu. Compareceram ao enterro, aqui no interior mesmo, personagens muito estranhos que sussurravam entre si.
Minha mulher, muito zelosa, tirou a chave da mãe e guardou.
Após alguns dias, com expectativas de todos nós, resolveu abrir o baú. A surpresa foi grande ao encontrar, ao invés de tesouros, uma bela coleção de vassouras. Havia de todos os tipos, antigas, velhas e gastas e outras bem novas.
As crianças, decepcionadas, saíram para brincar. Eu fiquei boquiaberto, sem palavras, meio que apavorado. Minha mulher, muito tranqüila, fechou o cadeado e colocou a chave na cintura. Seguiu sua rotina como se não tivesse acontecido nada de extraordinário.
Desde esse dia faço tudo para não incomodar, submissão total as suas ordens. Tenho dúvida se ela herdou algum poder da mãe, mas as vassouras, guarda com muito carinho e as correspondências misteriosas continuam a chegar.
Às vezes, no meio da noite, ela some não mais que uma hora. Escuto barulho de chaves e fechaduras sendo abertas. Eu faço que não ouço e finjo dormir. Fora isso, minha mulher é um anjo. Em todo caso, minha obediência é cega. Podem perguntar a ela!
Inalva Nunes Fróes