O Enterro de Shakyra
Menos de 20 pessoas acompanharam o pequeno caixão. Não que ela não tivesse mais amigos. Acontece que os outros fingiram estar ocupados dentro do hotel para não mostrarem a sua emoção, na hora do enterro. Paulo quis improvisar uma cruz, mas foi impedido pelo próprio pensamento: Cruz? Será que a ocasião merece uma cruz? Poderia dar um enterro cristão à Shakyra?
Shakyra aparecera por ali, ainda pequena quando o hotel era apenas um flutuante, sem ter obras em terra firme. Órfã, necessitada de carinho pois a mãe devia ter servido de refeição a algum nativo. Macaca-aranha, como logo definiu um trabalhador da construção, tornou-se amiga dos construtores. Suas peraltices se tornaram famosas entre os funcionários e os hóspedes do hotel.
Ygor conta que uma vez estavam arrumando a mesa para um jantar. Estava preocupado em arrumar o buffet, para os comensais, todos estrangeiros e Shakyra não deixava. Shakyra tinha adotado dois gatinhos também órfãos. Formavam um trio muito alegre, mas que atazanavam a vida dos trabalhadores. Naquele dia Shakyra estava especialmente malandra e roubava de tudo que era posto no Buffet.
Ygor teve uma idéia diabólica. Pegou um dos gatinhos e arremessou-o para o gramado em frente ao hotel. Shakyra correu, apanhou o gatinho, subiu numa árvore e ficou entremeando carinhos ao gatinho e gestos de ameaças ao Ygor.
Outra vez um turista alto, resolveu dar uma rasteira na macaca que caminhava ao lado dele, imitando-o. Ela não caiu porque macaco não cai com facilidade, mas sentiu a pernada. Na hora do almoço, o turista estava com sua esposa loira sentado à mesa. Shakyra sentou-se ao lado dele e olhou-o, olhou para a frágil esposa loira e a escolheu. Deu um tapa sonoro no rosto da mulher e saiu correndo. Todos os demais hóspedes do hotel se viraram a tempo de ver a macaca fugindo.
Carla, a gerente do hotel, vibrava de alegria pela justiça que a macaca fizera, enquanto apresentava os pedidos de desculpas ao casal.
Todos os hóspedes admiravam-se de ver como Shakyra nadava. Criada sozinha não aprendeu que primatas só entram na água em último caso. Não podia saber que há poucos quilômetros dali, na outra margem do rio Negro, numa cidade chamada Manaus, o Centro de Instrução e Guerra na Selva mantinha uma ilha dos macacos. A única segurança dos macacos não fugirem era um fosso de 10 metros de água que formava a ilha.
Aqueles primos da Shakira não sabiam que sabiam nadar. Ela, no entanto, não aprendera essas restrições de sua raça. Pendurava-se num galho de árvore e escondia a cabeça dentro da água. Para imitar os nadadores humanos, mergulhava como qualquer um deles. Descobrira esse grande prazer que lhe causaria a morte.
Shakyra mergulhou do lado de uma cabana de hóspedes e segurou-se no que acreditava ser um arbusto. Não era. Era um fio elétrico, sub aquático que alimentava a cabana com energia. Com o esforço, ela desencapara o fio.
Fizeram uma placa na cova. Como se escreve Shakyra? Com X, com CH? Shakyra não tinha registro, não tinha documento. Mas recebeu uma placa mortuária: "SHAKYRA". Com menos de cinco anos de vida dava e recebia muito amor. Partiu para o céu dos primatas deixando muitas saudades.
(História original contada por Carla e Ygor do Hotel de Selva Tiwa)