o cumpadre azarado

Nossa sabedoria popular diz que em nosso país quem vai preso é ladrão de galinha; eu diria que nossos governantes arrocham as algemas de quem trabalha pra jogar as suas fora do alcance de suas próprias leis.

- Cumé que vai as pendenga cumpade?

- Uai, muda não né memo? Já tô cendeno a lamparina de novo, guento pagá essa luiz cara mais não.

- É. Tamo andano pra trais. Tamém já abasteci meu antigo lampião. Mais conta aí as nova lá da venda sô!

- Uai, ficô sabeno da do azarado do João Preto não?

- Não, que qui mais cunteceu caquele infiliz?

- Uai ês tava ruano o café e um cascaver de deis ano picô o fio mais véio do home.

- Nossa! E aí?

- Jogaram o coitado na carreta do trator, correram lá pa venda pra rumá condução e levá pra cidade. Só tava lá de carro o forgado do João Francisco tomano umas branca. O rapaiz já tava ficano roxo, jogaram ele no banco de tráis e correram pra cidade.

- Sarvaram o coitado intão?

- Deus um probreminha...

- Caos de quê?

- Gora nóis tem pulícia de istrada cuns apareio intende?

- Ques de vê se a gente bebeu?

- Antão. Mesmo cas urgência, os meganha falava que lei é lei. Prenderam o João e chamaram um ambulância pra carregar o quais difunto pro hospitar.

- Credo cumpade! Inté parece que nossa vida vale menos que uma lei idiota dessa!

- Antão. A ambulância chegô no hospitar gritano ca sirene. Nos corredô o velho João gritava: Socorro doutô! Murdida de cascaver! Socorro doutô!

- ...

- Dispois de tudo carmo, o rapaiz dismaiado numa cama da infermaria, o douto falô pro João Preto qui só pudia cuidá do seu fio direito se ele trouxesse a cobra. Mais eu vi ela, tava lá seu doutô, era uma cascaver grandona! Nada feito, dizia o doutô, seu fio num vai morrê aqui não, mais pra tratá dele direito tenho que vê a cobra!

- Se fosse eu, arriava as carça....

- Mais o humirde do João contratô uma caminhoneta, dessas que sobe in serra, foi na lavora, o disgraçado do cascaver inda tava lá abanando o rabo. Deu umas deiz inxadada na cabeça do bicho, jogo na carroceria e rumaram pra cidade de novo.

- Antão deu tudo certo cumpade?

- Carma cumpade. A tar de pulícia inda tava lá. Cumo a caminhoneta tava correno muito pararam ela pra investigá. Quando viram aquela munda de cascaver toda ensangüentada chamaram os tar de florestar.

- Meu Deus...

- Levaram a cobra pro hospitar e o João Preto pra cadeia onde ta inté hoje com a triste acusação de crime hediondo e sem direito de fiança!

- Mais...

- Fui lá vê ele, ta inté satisfeito de tê sarvado o fio.

- Num clama de nada?

- Nada.

- Nem de sê brasilero?

- ...

JOSÉ EDUARDO ANTUNES

Zeduardo
Enviado por Zeduardo em 14/04/2015
Código do texto: T5207168
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