João Primeiro
João Primeiro
Movido pela busca de riquezas, além da natural avidez humana pelo desconhecido, João veio tentar a sorte naquele novo garimpo. Cristal era a pedra mais abundante. O garimpo foi crescendo, precisou de uma vila para servir de apoio. Quando passou a fase áurea do garimpo, a vila foi batizada de Cristalândia e o João virou João Garimpeiro. Oriundo da Bahia, João Garimpeiro era uma figura folclórica. Em alguns momentos ele até gostava de falar rimando. Era um líder nato, muito embora só liderasse a si mesmo. Diferente dos seus companheiros de aventura, investiu tudo o que ganhou em gado, terra e guardou um pouco para o futuro. Assim, quando o garimpo foi abandonado, não tinha mais cristal que compensasse explorar, João Garimpeiro se transformou num fazendeiro. Não um fazendeiro tradicional, não. Ele mesmo construiu a casa sede, currais, cercas e demais benfeitorias da fazenda. Sempre atuando ao lado dos trabalhadores contratados, ninguém reconheceria o João Garimpeiro como sendo o patrão. Dizia que continuava ser o aventureiro de sempre, só que agora, em vez de procurar cristal, ele criava bois.
- Nunca fui e nem serei rico. A única riqueza que tenho é a saúde e a disposição para o trabalho. Isso quem me deu foi Deus. Não seria por ter meia dúzia de bois que eu mudaria meu sistema de vida. – E assim João Garimpeiro tocava a vida. Era alegre, gostava de uma prosa, bebia uma dose ou outra de cachaça, mas jamais foi visto bêbado. Era tido como homem sério, cumpria todas as promessas, mesmo que, para tanto, tivesse empenhado apenas sua palavra.
Em algum momento, depois que virou fazendeiro João Garimpeiro se tornaria João Primeiro. Ele não tinha nenhum parentesco com a realeza ou coisa parecida. Tudo foi fruto de comportamento astucioso, porém honesto, na venda anual de seus bois.
Era o início dos anos oitenta. Naquela época os próprios fazendeiros engordavam os bois destinados ao abate. Confinamento, como hoje é conhecido, ainda era novidade de ouvir falar. Assim, na época própria, chegavam muitos compradores de bois gordos. Carregando dinheiro vivo, compravam todo o rebanho disponível. Alguns eram novatos na região. Era para um desses que João Primeiro pretendia vender seus 120 bois gordos, prontos para o abate. Era bem mais que a meia dúzia que ele dizia ter. Mas o comprador só sabia que ele era esperto nos negócios e o seu gado era bom. Mas não o conhecia pessoalmente. Isso atrasou, um pouco, o negócio. Mas ele acabaria por descobrir o porque do nome João Primeiro.
Seguindo informações o comprador foi a cavalo na fazenda do João. Chegando lá viu um peão concertando uma cerca, próximo da casa sede. Aproximou-se e perguntou.
- Sabe me dizer se o seu João Primeiro está na sede da fazenda? – O peão coçou a cabeça e respondeu.
- Não, neste momento ele não está não. Mas se o senhor voltar às nove horas de amanhã, ele vai esta lá lhe esperando. – O comprador assentiu com a cabeça, deu meia volta no cavalo e retornou à cidade. No dia seguinte, na hora aprazada, retornou. Estava já sentado, tomando um café na sala, quando entrou o peão que o atendera no dia anterior.
- Pois não, sou João Primeiro. Veio comprar meus bois? – O comprador, surpreso e meio aborrecido por ter que voltar na fazenda, falou.
- Mas não era o senhor que me falou, ontem, que não estava aqui?
- De fato, eu sou a mesma pessoa. A diferença é que ontem eu estava trabalhando na cerca, e o senhor não me achou com cara de fazendeiro. Não perguntou quem eu era, apenas se estava aqui na sede. Ora, se eu estava lá concertando a cerca, não poderia está aqui na sede. A minha resposta foi correta, a pergunta é que foi errada. Gosto de ser e não parecer, e tenho raiva de quem parece, mas não é. Se o senhor julgou que eu era somente um peão, não me pareceu justo contrariá-lo! – O comprador, por alguns segundos, ficou sem palavras. Deduziu que o João Primeiro podia ter cara e jeito de peão, mas de besta ele não tinha nada.
A negociação foi dura, mas o comprador acabou pagando, praticamente, o preço do gosto do fazendeiro. Tendo ido duas vezes à fazenda, achou que era melhor comprar logo aquele gado, mesmo meio caro, para ganhar tempo. Ao retornar à cidade, comentou o caso com outros compradores. Sua surpresa não poderia ser maior. A maioria rolava de ri. João Primeiro aplicava esse truque todos os anos. Seu gado era bom, mas ninguém sabia vender boi tão caro quanto ele. Só então o comprador descobriu o engodo a que fora submetido.
Todo ano ninguém vendia seu gado antes do João Primeiro. O preço que ele vendia, era uma referência para o mercado local. Orquestrando uma trama, João Primeiro conseguia o melhor preço. Para isso ele construiu uma rede, que incluía desde o dono do hotel, onde os compradores se hospedavam, ao informante que dava a notícia dos bois diferenciados. Os compradores veteranos e os demais fazendeiros apenas acompanhavam, sem envolvimento direto, apenas esperando a fixação do preço que balizaria o mercado naquele ano. O dono do hotel indicava o comprador, um novato, necessariamente, para o informante, que era sobrinho do João Primeiro. Este dizia maravilhas do gado, ensinava o caminho, mas se recusava a acompanhar o comprador. Dizia que o fazendeiro era desconfiado, que aumentaria o preço dos bois, pois não gostava de corretores envolvidos. Todo mundo, se consultado, afirmava, somente, a qualidade dos bois. Envolvido nessa teia, o comprador tinha poucas chances de resistir ao talento do João Primeiro. Uma vez conhecido o preço da venda, o mercado local, como na Bolsa de Valores, batiam o martelo e declaravam abertos os negócios. E aquele comprador nunca mais esqueceria por que o fazendeiro se chamava João Primeiro