DOCE LEMBRANÇA

Com as mãos tremulas como um menino que ansiosamente espera um presente, abri a porta e desci do carro. Caminhei a passos lentos pelas sombras das Santa Bárbaras que naquela época do ano estavam floridas e exalavam um perfume agradável no ar e cheguei até a escada que dava acesso ao alpendre, apoiando no corrimão venci os quatro degraus da escada e me vi no alpendre, olhei do alto o grande terreiro de terra batida onde secávamos mamonas e batíamos o feijão colhido na roça e transportado ate aquele terreirão, me veio a mente recordações da correria que era para guardar as cosas quando estava formando chuva.

Em seguida, abri a porta que dava entrada a sala da casa, deparei com o quadro da Santa Ceia com sua molduras escurecidas pelo tempo, ele estava entre duas molduras ovais, também enegrecidas, uma era as foto de meus pais ainda jovens, um ao lado do outro, diziam que fora tirada no dia do casamento, do outro lado, igualmente numa moldura oval, esta com aspecto mais conservado, eu e meu irmão que Deus chamou ainda criança para a morada eterna, éramos crianças e a saudade bateu forte mas me contive. Adentrei na sala, puxei uma das quatro cadeiras que rodeavam a mesa de madeira, sentei ao lado do velho bufet de madeiras onde na parte de cima, minha mãe conservava guardadas suas relíquias de vidro e porcelana que eram para ela um grande tesouro, sabia estória de cada uma daquelas peças, bem como quem a havia dado de presente e o motivo de ser presenteada; desviando o pensamento, mudei o olhar e observei, dependurada pela alça em um prego na parede do velho casarão de madeira, a velha lamparina de querosene, exatamente aquela que com sua chama dançante pela brisa e que soltava um filete de fumaça preta, emitia uma luz fraca mas o suficiente para iluminar os meus livros e cadernos na calada da noite para que eu pudesse fazer a lição de casa. No suporte de madeira o velho receptor de radio da marca Trans Elmo, hoje nem existe mais esta marca, mas era através dele que eu, meu pai e minha mãe ouviam o programa sertanejo da radio nacional, do locutor de radio Edgar de Souza, doces lembranças.

Balancei a cabeça tentando apagar a memoria, levantei, caminhei até a porta que dava acesso ao quarto onde eu dormia, abri a porta, olhei a cama de solteiro, o colchão de palha de milho coberto com um lençol branquinho, na cabeceira uma mesa rústica servia de criado mudo, aos pés da cama um velho guarda roupa de madeira maciça, não entrei no quarto, apenas olhei, retrocedi, fui até a porta do outro quarto, o dos meus pais, abri a porta, permaneci ali, em pé, olhando tudo que estava exatamente como antes, bateu uma forte saudade, senti os olhos cheios de lagrimas, fechei a porta e fui até a cozinha.

Ao entrar na cozinha, lá estava o fogão de lenha, sempre acesso para conservar quentinha a comida e o café que ficava em dois bules de ágata verde, o maior com o café forte para os adultos e o menor o café fraco para as crianças, o qual o mais velhos chamavam de “água de batata” e não bebiam, nem por remédio; numa mesa no canto da cozinha, o pote de barro que conservava a água sempre fresquinha, naquela época não tinha refrigerador e tudo era natural, numa estronca em uma das paredes, o moinho de café e, dependurado logo acima, o negro torrador de café de bola, que juntamente com o suporte do coador se tornavam ferramentas indispensável para que tivéssemos todos os dia, um delicioso cafezinho. No centro da cozinha uma grande mesas para a refeição e, contando em diagonal o varal com mantas e couro com toucinho para defumar naturalmente que, alem da lata de carne guardada na gordura, eram essa a forma de se conservar por mais tempo a carne dos capados la no sitio.

Aproximei da janela com vistas para o poço, no fundo o chiqueiro de porcos, os pés de urucuns que fornecia o colorau e, ao lado o paiol de pau a pique onde se armazenava o milho para o gasto do ano, em suas varandas, a carroça e a charrete, também os arados e carpideiras alem dos apetrechos da roça; em pequenos balaios dependurados na parede, os ninhos das carijós, de onde provinha os ovos e de vez em quando uma ninhada de pintainhos e, posteriormente os deliciosos frangos caipiras que saboreávamos aos domingos; do outro lado o pomar com muitos pés de laranjas e mexericas de variedades diferentes alem de outras frutas que produziam o ano inteiro....

__ Vôôô, Vamos embora !

Não sei quanto tempo fiquei ali, em pé e inebriado em minhas memórias, mas esta voz que me trouxe a realidade, meu neto me chamando do carro que estava estacionado a sombra de um frondoso pé de jatobá que plantei quando ainda era criança, que não sei por qual motivo ainda permanecia ali no meio da plantação de soja mas que, juntamente com dois grossos tocos de madeira de lei que serviam de sustentação para o velho casarão de madeira, eram na realidade os três únicos sinais do passado, sinais de que ali foi a minha casa, onde vivi até a adolescência, quando meus pais venderam a propriedade para um fazendeiro vizinho e mudamos para a cidade.

Maciel de Lima
Enviado por Maciel de Lima em 24/01/2015
Reeditado em 25/01/2015
Código do texto: T5112212
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