Carregador de Caixão
Havia muitos anos que ele mesmo se incumbiu de ajudar a carregar os caixões dos defuntos da igrejinha até o cemitério da Boa Morte.
Sua rotina diária era ouvir no rádio, no programa sertanejo, quem havia morrido.
Havendo "cliente" para o Boa Morte, ele se arrumava, passava no bar da esquina, tomava suas duas doses e cachaça da "boa" e se encaminhava para praticar sua boa ação.
Todo cerimonioso, se ajeitava ao lado do caixão com a mão na alça esquerda do lado da cabeça.
O trajeto era curto, mas havia uma rua que era muito, íngreme e, nesse trecho, o caixão realmente pesava e era necessário trocar os carregadores.
Ele nunca admitiu isso, fazia questão de percorrer todo o caminho.
E, até então, os familiares e amigos não se importavam com a presença daquele homem que ajudava por demais nessa hora dolorosa.
Numa sexta-feira foi anunciada a morte de um determinado coronel muito querido na cidade.
O evento seria concorrido por causa da família de doze filhos, mais genros, mais colegas do exército e amigos feitos ao longo de oitenta anos de vida.
Haveria muitos homens para fazer os rituais, as honras, e carregar o caixão.
Na noite anterior, o carregador havia discutido com a patroa sobre problemas domésticos e acordou invocado.
Sabendo da morte do coronel e prevendo muita gente, ele deveria estar mais elegante e simpático, afinal de contas a principal alça (na sua concepção) seria sua.
Nesse dia tomou três doses em vez das duas habituais, e, por causa do calor que estava fazendo pelas onze horas da manhã, o cheiro exalado estava terrível.
Chegando ao velório, depois dos cumprimentos aos familiares, se posicionou estrategicamente para aguardar a finalização dos rituais e se apoderar da alça.
Houve muita comoção na hora de se fechar o caixão, o filho mais velho do homem, negou veemente ceder a sua responsabilidade.
Ficou inconformado e se foi aproximando de uma a uma das alças, mas sempre encontrando alguém ligado ao coronel que fazia questão de carregá-lo.
Resumo da história : não deixaram o homem pegar em nenhuma alça.
Mas ele alimentou a esperança de que, chegando à rua inclinada, alguém iria "abrir o bico" e ele pegaria alguma alça com certeza.
E lá se foi o cortejo pelas ruas estreitas.
Ao chegar ao pé da rua inclinada, o carregador ficou mais perto do caixão para agir rapidamente nas desistências.
Só que a cada desistência, aparecia outro familiar que fazia questão de executar a tarefa.
Ficou bravo demais.
Pela primeira vez em todos aqueles anos, ele não conseguiria cumprir a sua boa ação.
Deixou o cortejo seguir e ficou parado no meio da rua olhando o distanciamento.
De repente deu um berro :
- Ôces aí...
Todos pararam, olharam prá baixo e lá estava o homem, que mais uma vez gritou :
- Enfiem esse defunto no c......
E saiu ladeira abaixo pisando duro e com pressa de chegar ao bar da esquina para romar mais algumas e desabafar com os amigos.
Sua rotina diária era ouvir no rádio, no programa sertanejo, quem havia morrido.
Havendo "cliente" para o Boa Morte, ele se arrumava, passava no bar da esquina, tomava suas duas doses e cachaça da "boa" e se encaminhava para praticar sua boa ação.
Todo cerimonioso, se ajeitava ao lado do caixão com a mão na alça esquerda do lado da cabeça.
O trajeto era curto, mas havia uma rua que era muito, íngreme e, nesse trecho, o caixão realmente pesava e era necessário trocar os carregadores.
Ele nunca admitiu isso, fazia questão de percorrer todo o caminho.
E, até então, os familiares e amigos não se importavam com a presença daquele homem que ajudava por demais nessa hora dolorosa.
Numa sexta-feira foi anunciada a morte de um determinado coronel muito querido na cidade.
O evento seria concorrido por causa da família de doze filhos, mais genros, mais colegas do exército e amigos feitos ao longo de oitenta anos de vida.
Haveria muitos homens para fazer os rituais, as honras, e carregar o caixão.
Na noite anterior, o carregador havia discutido com a patroa sobre problemas domésticos e acordou invocado.
Sabendo da morte do coronel e prevendo muita gente, ele deveria estar mais elegante e simpático, afinal de contas a principal alça (na sua concepção) seria sua.
Nesse dia tomou três doses em vez das duas habituais, e, por causa do calor que estava fazendo pelas onze horas da manhã, o cheiro exalado estava terrível.
Chegando ao velório, depois dos cumprimentos aos familiares, se posicionou estrategicamente para aguardar a finalização dos rituais e se apoderar da alça.
Houve muita comoção na hora de se fechar o caixão, o filho mais velho do homem, negou veemente ceder a sua responsabilidade.
Ficou inconformado e se foi aproximando de uma a uma das alças, mas sempre encontrando alguém ligado ao coronel que fazia questão de carregá-lo.
Resumo da história : não deixaram o homem pegar em nenhuma alça.
Mas ele alimentou a esperança de que, chegando à rua inclinada, alguém iria "abrir o bico" e ele pegaria alguma alça com certeza.
E lá se foi o cortejo pelas ruas estreitas.
Ao chegar ao pé da rua inclinada, o carregador ficou mais perto do caixão para agir rapidamente nas desistências.
Só que a cada desistência, aparecia outro familiar que fazia questão de executar a tarefa.
Ficou bravo demais.
Pela primeira vez em todos aqueles anos, ele não conseguiria cumprir a sua boa ação.
Deixou o cortejo seguir e ficou parado no meio da rua olhando o distanciamento.
De repente deu um berro :
- Ôces aí...
Todos pararam, olharam prá baixo e lá estava o homem, que mais uma vez gritou :
- Enfiem esse defunto no c......
E saiu ladeira abaixo pisando duro e com pressa de chegar ao bar da esquina para romar mais algumas e desabafar com os amigos.