TELEPATIA DE UM CÃO AMIGO


No ano de1966 ao adquirir nossa propriedade rural, foi grande a luta que desempenhamos.com pouco recurso financeiro para construir nossa residência, e organizar o minino necessário para nortear nossa vida no campo, minha esposa e eu trabalhávamos quase ininterruptamente dia e noite. Construímos nossa moradia no meio de uma capoeira, misturados aos lobos, gatos, cachorros do mato, e raposas.
Levamos conosco, alem de meia dúzia de porcos, mais de duzentas cabeças de galinhas, era praticamente o patrimônio que nos restou na aquisição da terra. Tentando construir o nosso pé de meia plantamos as primeiras lavouras. Na colheita restavam pouco mais de trinta cabeças, entre galinhas, frangos e pintinhos. Nossos vizinhos selvagens, os bichos do mato, deitaram e rolaram, devoraram sem dó nem piedade o nosso patrimônio constituído em penosas bípedes.
Penalizado com a situação meu tio Onofre me doou uma cadela da raça cole, demos a ela o de nome cigana. Parecia um ser humano, talvez até superando muitos. Educada e responsável com o seu dever de vigilante, assim nós podemos respirar aliviados. Embora uma vez e outra os lobos ainda surrupiassem alguma galinha, mas dos bichos de pequeno porte nós nos livramos por completo.
A cigana deu cria, seis cachorrinhos, cinco mais robustos lindos e um feioso, como no dizer popular, o carregador d’água, da cor de borra de café, parecia ser filho, de um pai vira lata. Doei cinco às pessoas que haviam encomendado o feioso ninguém o quis. Mal sabiam que era o melhor de todos. Como nós sempre cuidamos bem, tanto dele como de sua mãe, em pouco tempo sem a gente ensinar a ele, aprendeu por si próprio, e parecia ser gente, apenas não falava. De repente algo estranho começou acontecer, em qualquer situação que dependesse de eu chamá-lo, bastava eu pensar, ele poderia estar dormindo, que levantava e saia correndo ia realizar aquela tarefa. Nós passamos a nos comunicar através de telepatia. Pode o leitor não acreditar, mas apenas com o pensamento eu lhe dava ordem e ela obedecia.
Em 1968 eu dei inicio a minha atividade comercial, uma necessidade, que surgiu como alternativa para nossa complementação de renda. Com onze itens de mercadorias básicas uma balança que tomei emprestada, e alguns caixotes iniciaram minha atividade comercial, com a tradicional vendinha de roça.
Foi minha salvação para liquidar dividas contraída na aquisição de nossa propriedade e seguir em frente.
O acesso a cidade e o meio de transporte precário contribuíram para eu me dar bem nessa atividade. As carvoarias consumindo muita mão de obra alimentaram por um longo período minha atividade como vendeiro. Passamos a cultivar verduras legumes e criar galinhas para fornecer aquela gente que dedicava tempo integral nas carvoarias e não tinham água suficiente, nem como cultivar.
Meu cachorro que já não era mais feioso cresceu e agora com seu pelo avermelhado ganhou o nome de rochedo. Ele e sua mãe passaram a ser os guardiões de nossa propriedade. A noite não chegava ninguém sem eles se manifestarem, o mais incrível é que eles conheciam minha clientela, se chegasse um cliente estranho eles esbravejavam, eu teria que dar ordem para recuarem.
Aos sábados e domingos dias de maior movimento a venda de frangos e galinhas era mais significativa. O rochedo deitado sempre no terreiro. Bastava ouvir um cliente perguntar se teria frangos à venda, ele levantava e ficava a espera, eu saia sem nada dizer a ele, mandava o cliente escolher o frango ou galinha de sua preferência, e foram muitas vezes que eu dizia ao cliente:
--Observe eu vou enviar uma mensagem telepática ao rochedo e ele vai pegar o frango que você escolheu! E assim era feito, ai onde quer que a ave fosse ele a pegava no meio do canavial, ou do capineiro em qualquer parte do quintal, ele o pegava e segurava com as duas patas dianteiras sem si quer dar nela um pequeno arranhão. Ouvi muitos comentários:
--Uai sô ocê é feiticeiro sô? Nunca vi ua coisa dessa não!
Naquela época a cultura completamente diferente, os recursos limitados, não se tratava de animais como atualmente. O cachorro além de chicote ganhava apenas migalhas de comida, isso quando sobrava, o que raramente acontecia. Vacinas e tratamento veterinário nem pensar, se para a gente era difícil imagine para o animal.
Infelizmente uma doença terrível levou meus dois amigos, primeiro a mãe, em seguida o filho, até hoje me emociono ao recordar as façanhas desses dois cães, que me ajudaram tanto nessa saudosa fase de minha vida lavrando a terra da alvorada ao anoitecer.




 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 25/08/2014
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