O LUTO BOIADEIRO



Ao remexer as prateleiras de lembranças dos arquivos da memória vão surgindo os fragmentos do passado que me fás voltar no tempo. Ao velho cotidiano da cultura em que me criei. Era quase primitiva, se comparada com esta tecnologia avançada na atualidade inovadora que vivenciamos.
Minha recordação está repleta de fragmentos, cores perfumes e sabores, acompanhados por imagens que não se apagam. Sempre que surge uma lembrança do passado, ela vem acompanhada das imagens que a representa.
A fazenda de meu saudoso pai foi pousada dos boiadeiros, que transpunham seus obstáculos galgando monte e serras, enfrentando as más condições das estradas, tangendo boiadas rumo aos matadouros. Uma árdua tarefa deste seguimento da sociedade que no passado teve um papel fundamental, arrebanhando as boiadas sertão afora para garantir a carne na mesa dos consumidores de grandes, medias, e pequenas cidades.
Quantas lembranças engavetadas que vez por outra escapam de minha memória colocando-me em conflito com a saudade, que traz as imagens desse passado quase remoto, mas que permanecem vivas nas minhas recordações. As nuvens de poeira levantada pela boiada, tingindo de vermelho os arvoredos que margeavam estradas, o choro sentido do berrante conduzindo centenas de bois de corte, que seguiam inocente indo ao encontro da morte, nos matadouros das grandes metrópoles.
Domingos meu saudoso irmão caçula, que tão cedo partiu com apenas trinae seis anos, chamado por Deus, era apaixonado pelo toque de berrante do Macaúba, um já idoso berranteiro que sabia clamar com o berrante,  o triste fim dos bois que a comitiva boiadeiro c onduzia. Meu irmãozinho com seus cinco anos ou pouco mais, era amissíssimo do velho, que também o adorava e retribuía lhe trazendo balas, doces e pirulitos por ocasiões de suas passagens em nossa acolhedora pousada. O menino já conhecia seu toque. Quando ao longe a boiada vinha. Ele corria a esperá-lo empoleirado na cerca do curral.
E qual não foram sua decepção e tristeza. Certo dia quando notou um toque de berrante que não era o seu. E ao ver o ponteiro que o substituía guiando o gado adentrando no curral com uma bandeira preta afixada na sua vara de ferrão em sinal de luto.
Macaúba faleceu subitamente, no trajeto daquela comitiva e seu berrante silenciou. Fora sepultado fazia três dias, longe de seus familiares. A precariedade no meio de transporte daquela época, não permitiu que o pobre velho fosse velado por seus entes queridos. Por um longo tempo o menino chorava ao ouvir um berrante tocar tangendo as boiadas que por lá pernoitaram.

"Título inspirado em um pesamento de minha amiga a poetisa e escritora Lenapena"
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 07/07/2014
Reeditado em 12/07/2014
Código do texto: T4872614
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