A morte de Serafina Fernandes
“Pessoa que mente não merece fé”, me lembro como se fosse hoje de minha avó me dizendo isso à luz da brasa do fogão a lenha. Entristeço-me ao lembrar, pois esta foi a última vez que a vi. Permita-me lhe contar a minha história.
Quando fui para São Paulo não esperava viver tantas coisas em tão pouco tempo. A verdade é que chegando à rodoviária percebi que sair de Quixeramobim tinha sido um erro, deveria ter sido valente e ter enfrentado a minha gravidez, tenho certeza que mesmo me recriminando minha avó me ajudaria a criar a criança. Eu não conhecia ninguém, não tinha dinheiro e minha barriga doía muito, já estava no nono mês e sentia que tinha chegado a hora.
Um taxista me levou para o hospital e lá dei à luz a uma criança. Eu nem quis vê-la, como eu tinha comentado com o taxista eu queria me livrar dela, e ele tendo alguns conhecidos, a vendeu e dividimos o dinheiro.
Eu não sabia o que fazer, tinha algum dinheiro mas não tinha para onde ir. Me sentia vazia e então fui a uma cartomante que tinha uma barraca na frente do hospital.
-Posso ajudar? Perguntou a adivinha. Então pensei, “se ela era realmente
adivinha ela já saberia se poderia ou não me ajudar, não perderia tempo perguntando!
Virei as costas e saí andando, ao olhar as pessoas que saíam do hospital e iam falar com a cartomante, percebi que também se sentiam vazias, e nisto a cartomante ganhava alguns trocados, foi assim que descobri o óbvio:
-O vazio humano é o combustível para a fortuna.
Então peguei o dinheiro e aluguei uma sala no subúrbio de São Paulo e lá comecei a fazer o que aprendi com a cartomante – ouvir sobre o vazio alheio.
Fiquei impressionada com o número de pessoas que me procuravam no primeiro mês. No segundo tive que comprar uma agenda. No terceiro mês contratei uma secretária e , dois anos depois tinha me mudado para a avenida Paulista, comprado uma casa e montado um escritório (baseado no que vi em uma revista de Psicologia- sim, este é o nome que os ricos dão ao meu trabalho de ouvi-los).
Se passariam 18 anos e me tornei uma celebridade em São Paulo, escrevi minha biografia e era um Best-Seller.
Então decidi voltar e resolver minhas diferenças com minha avó em Quixeramobim.
Cheguei quando anoitecia. Já não me lembrava mais desse calor, dessa gente queimada pelo sol que parece queimar mais aqui na Bahia do que em qualquer outro lugar do mundo, não me lembrava mais dos cheiros, rostos, lembrava apenas dos sentimentos que um dia me fizeram partir.
Aconteceu que não a encontrei em casa. Pedi para o motorista me aguardar ali e andei até a igreja. No caminho um rapaz me parou e pediu:
-Poderia me dar seu autógrafo?
Disse que sim e fiquei impressionada quando ele tirou o livro e disse que o tinha
lido várias vezes e que tinha ido até Quixeramobim para me encontrar.
Assinei o livro e quando virei as costas ele disse:
-Sou o filho que você abandonou.
Quando olhei para trás ele segurava um revólver. Tentei falar algo. Mas já não esperava que ele mudasse de idéia.
Ele disparou várias vezes e depois se suicidou.
Isto ocorreu ontem. Agora estou aqui, deitada neste caixão entre as coroas de flores que meus vários clientes mandaram. Eu vejo as pessoas, e elas não se mexem e nem falam. Ainda ouço a voz de minha avó dizendo: “Pessoa que mente não merece fé”.