O PREÇO DA DESOBEDIÊNCIA(fato real)
Manhã de sábado. Céu escuro, prenúncio de chuva. Era uma manhã diferente, parecia dizer algo. O vento balançando folhas que mais parecia uma dança sincronizada. Cheiro de flores contagiando o ar. Cheiro de terra. Havia chovido naquela noite. O trinar dos passarinhos na mata rompia o silêncio com suas belas melodias. O mais tudo calmo... Tranquilo. Meu pai havia saído. Foi visitar minha irmã que morava distante uns três quilômetros. 1º de novembro.Dia de todos os santos.
Antes de sair meu pai havia me aconselhado: Hoje é dia santo; não vai mexer com coisas perigosas: foice, machado, objetos pontiagudos ou cortantes. Arma de fogo principalmente... Nem pensar. Eu tinha apenas 13 anos de idade. Mas sempre gostava de caçar e pescar, procurar frutas silvestres pela mata e algo mais. Ficar sem fazer nada me incomodava. Eu não sabia ficar ocioso. Sentia-me inútil, coisa que não combinava comigo.
Vencido pela tentação da caça peguei uma espingarda puxa-fieira de meu pai. Dessas que carrega pela boca! E a medida de pólvora e chumbo era de acordo com o tipo de caçada que ia fazer.
Codorna e nhambus tinham muito nas paiadas perto de casa onde eu morava. Cantarolavam sem parar. Eu não podia ouvir aquilo. Parecia um chamamento; pra não dizer provocação.
De bornal a tiracolo, espingarda em punho, lá vou eu para mais uma de minhas aventuras.
De repente um nhambu. Aponto a espingarda, puxo o gatilho e nada. De repente outro, mais outro, uma codorna. Armo a espingarda, puxo o gatilho e nada. Era só, lec,lec,lec. Não disparava; parece que de propósito. E lá se ia a caça diante de meus olhares de reprovação. Mas nada de desistir, lembrava. É que hoje é dia santo; talvez seja isso_ monologava.
E lá vou eu, já meio desconfiado. Não tinha lembrança de um só dia em que não levasse para casa algum tipo de caça. Seria hoje a primeira vez?
Minha mãe sempre aguardava na certeza que alguma coisa levaria para casa. E caprichava no cardápio. Não ia decepcioná-la, hoje.
Mas o pior ainda estava por vir.
Pouco adiante de onde eu estava havia uma passagem (travessia) por um pequeno riacho e que dava acesso à casa de minha irmã. Pensei:_ Vou até lá, claro, sem a espingarda a qual tinha planos de escondê-la pouco antes de chegar. Meu pai estava lá e com certeza eu teria que dar explicações de minha desobediência. Tudo tinha que ser ao pé da letra. Se é dia santo, é perigoso mexer com estas coisas e pronto. Estava dito. Não podia desobedecer.E não era o que eu tinha feito.Até minha irmã ficaria contra mim.Então como chegar com a cara de desconfiado.Mas não hesitei em seguir até lá.Estava com fome e sabia que por lá teria um bom almoço.Afinal meu pai estava lá.Era visita.
E assim segui meu destino. Nesta travessia havia uma árvore caída atravessando o riacho de um lado ao outro. E sobre o caule havia muito brotos como se fossem pequenos arbustos.
Desço o barranco. Resolvo olhar apara aquela árvore caída em forma de pinguela. Qual não foi a minha surpresa. Por entre os arbustos dois olhos cor de fogo me fitavam sem ao menos piscar. Olho um pouco para trás e vejo o corpo cheio de pintas pretas e amarelas e um enorme rabo peludo. Parecia uma onça. Senti as pernas enfraquecidas. Os cabelos ficaram eriçados. Parecia espinhos de ouriço .Pensei:Como atirar nesse bicho se até o momento nem um tiro sequer disparou.Mas vou arriscar.Seja lá o que Deus quiser...
Voltei virado de costas para o barranco. Ele estava muito perto e tinha medo que o tiro não saísse e a bicho pulasse em mim. Mesmo assim fiquei a uma distância de uns 3 metros. Era muito perto. Respirei fundo. Preparei a espingarda. Apertei o gatilho. Acreditem! Desta vez o tiro saiu.
Quando olho para o tal gato, vi sobre o seu corpo a bucha queimando, ele não havia assustado e permaneceu na mesma posição. Criei então um pouco de coragem. Monologuei: Agora vou carregar com chumbo grosso. Vou arrebentar seus miolos.
Sem descuidar do gato, pois ainda sentia muito medo, coloquei uma boa carga de pólvora, bati bem a bucha, coloquei chumbo grosso, apenas encostei a bucha.Sem desviar o olhar para o gato, engatilhei para colocar a espoleta ainda olhando para o animal e ele fitado em mim. Tudo do mesmo jeito. Quando engatilhei para efetuar o disparo, foi ainda maior minha surpresa. Misteriosamente já não havia mais gato sobre a árvore. Desapareceu num piscar de olhos. Os cabelos voltaram a arrepiar desta vez mais fortemente devido ao estado de choque em que fiquei.
Sobre os arbustos não tinha mais gato, apenas a bucha ainda queimando. Para onde foi o bicho porque não tinha como ele fugir sem ser percebido, porque embaixo era água e dos lados à margem do riacho era capim seco. Não tinha como não deixar vestígio. O certo é que misteriosamente havia sumido. Qual a explicação?
História ou invenção? Nada disso. Pura verdade!
Como que um mistério o gato que até hoje não sei se aquilo era realmente um gato desapareceu sem deixar vestígio.
Decepcionado voltei para casa. Minha mãe percebeu algo errado porque estava com olhos arregalados. Não contei nada naquele dia. Somente após dias passados foi que consegui dizer tudo que tinha acontecido.
Para mim foi uma grande lição e a partir daquela data nunca mais fiz algo parecido em dias considerados santos.
Será que era necessário passar por tudo isso? Para mim este foi o preço da desobediência!
Antonio Barros de Moura Filho