...PASSA CAROÇO
Era um moleque levado da breca mas cresceu forte e viçoso, tronou-se um belo jovem, vencendo os obstáculos que a vida lhe impunha no longo do caminho.
Sua mãe era o seu anjo da guarda, enviuvou ainda jovem e com um filho para criar, não quis saber de um outro homem em sua vida, e como para os pais homem barbado é sempre chamado de menino assim, por onde o seu menino ia, lá estava ela sempre por perto para lhes dar a devida proteção, coisas de mãe.
Naquela tarde, ele entrou radiante na humilde e singela casinha em que moravam e foi logo dando a noticia: iria representar a firma onde trabalhava em um congresso no Chile, assim, o rapaz estava radiante tanto pelo reconhecimento de sua capacidade administrativa dentro da empresa como também porque por incrível que pareça, era a primeira vez entraria num avião e isso o excitava muito.
A mãe ao receber da noticia, quase teve um treco num misto de contentamento e medo, pois ouvia falar muito de tragédias que ocorreram com tal meio de transporte que levaram a morte dezenas e até centenas de pessoa, isso a afligia muito mas, o rapaz estava alegre e como devota de Nossa Senhora, o que lhes restava fazer era rezar incessantemente para que a bondosa Mãe de Deus o protegesse em mais este desafio de sua vida já que o rapaz, apesar de uma homem de princípios não era chegado a religião aliás, as vezes chegava até implicar com a senhora sua mãe por ficar contando bolinhas.
Aqueles quinze dias que separava da noticia anunciada a viajem marcada parece que passou tão rápido e na véspera, lá estava ela, a carinhosa mãe a arrumar a mala do filho, depois de tudo minuciosamente arrumado, por ultimo a mãe retirou dos braços um terço e colocou dentro da maleta fechado-a. O rapaz ainda implicou com a mãe por ter colocado aquele colar com bolinhas de madeira, dizendo que jamais o usaria pois primeiramente porque não acreditava em tal ação e segundo, não iria pagar o mico entre os companheiros de viajem, servindo de chacota sabe-se lá até quando, mas apesar da reclamação o terço ficou lá dentro da maleta.
Contou o rapaz que tudo parecia correr bem durante a viajem, nem houve o tradicional atraso no horário do voo mas, quando estavam atravessando a Cordilheira dos Andes, uma pane em uma das turbinas fez o avião perder altitude, o Piloto, homem experiente, pediu calma aos passageiros e que se tivessem fé, que rezassem pois situação estava caótica e só um milagre poderia tira-los daquela situação, assim o rapaz, todo dono de si, nesta hora fraquejou, lembrou dos conselhos da senhora sua mãe, lembrou do terço, abriu a maleta e lá estava ele, tal como ela havia colocado. Tirou o terço da maleta e tentou rezar, mas nunca havia aprendido sequer uma Ave-Maria, viu inúmeras vezes a mãe com aquele apetrecho nas mãos murmurando algumas palavras as vezes até inelegíveis, mas ele nada sabia daquilo, ficou pensativo até quando um dos tripulantes alertou:
__ Rezem com fé que a situação não é das melhores.
Como que por instinto passou a percorrer bolinha por bolinha em sua mão como havia visto a sua mãe fazer e por não saber o que falar ia apenas dizendo:
__ Passa Caroço, que o negócio tá grosso! Passa Caroço que o negocio tá grosso! Passa ....
Já finalizando os caroços, como dizia ele, como que por um milagre dos céus, a turbina voltou a funcionar e o avião se estabilizou no ar e, no último caroço do terço, que é de maior volume para indicar o Glória ao Pai, tendo sido avisado do ocorrido e vendo toda a tripulação comemorar aquele momento, ele vibrou::
__ Agora passa caroção, que o negócio agora tá bão!
Deste dia em diante, nunca mais duvidou do poder da oração.