MIMHA SOMBRA NA POEIRA

. A paisagem na ilustração deste texto, foi palco e cenário do meu mundo criança. Eu a carrego arquivada na memória como num filme, figurado por imagens de meus conterrâneos, que caminharam por esta estrada no labor diário rumo ao trabalho. Como num estalar de dedos, mais de meio século se passou entre o ontem de minha infância e minha atual velhice.
,Ao nascer do sol, eu a fotografei,Recordando aquelas manhãs do passado. Quando caminhei de pés descalços por sua estrada branca, sulcadas pelas rodas do carro de boi, em cuja circunferência ostentava a bela e requintada arte dos ferreiros, com os seus pregos em formato de pião ou cordão num rudimentar trabalho artesanal, malhando nas bigornas o ferro incandescente, aquecido com o braseiro avivado pelo fole.
Na sua fina poeira juntamente ao desenho do carro, e pegadas de bois, meus rastros, se misturavam com dezenas de outros, dos lavradores que por ela passaram conduzindo no ombro suas ferramentas de trabalho, caminhando para as áreas mais férteis da fazenda Sesmaria, propriedade de meu avô Guilhermino, aonde eu fui feliz, e não sabia.
São resíduos de uma imensa saudade. Os momentos que corri ao lado de meus amigos, irmãos e primos, pelas brancas e poeirentas trilhas ás margens do rio Picão. Naquelas manhãs orvalhadas pelo beijo da natureza, que o sereno da madrugada espalhava em suas verdes pastagens. Essa saudosa paisagem foi o palco de minha deliciosa meninice caipira. Corríamos sem as preocupações, que atualmente nos colocam em constante estado de alerta.
Encantavamos, com aquelas plumas brancas de neblina que se formavam, expelida pelo hálito morno no bocejo do rio Picão, após as abundantes chuvas que caíam.
Com a brancura das garças desfilando na passarela azul do infinito, com o seu  malabarismo manobrando as asas nas alturas. Espetáculo compartilhado por milhares de pássaros silvestres que habitavam o banhado do abençoado vale do Picão. E em suas brancas trilhas, entremeadas às verdejantes pastagens, a obra de arte bordada com os rastros dos passarinhos, coelhos, e preás, figurantes diurnos e noturnos, cantores e seareiros da natureza que espalhavam as sementes, replantando sua flora silvestre, contribuindo de forma significativa, com a preservação ambiental.
Cruzando o rio picão e a BR MG 164, esse trecho de estrada com a sua paisagem é uma enciclopédia enigmática do meu passado arquivada em minha alma. Aonde de calças curtas e pés descalços eu vivenciei a mais bela fase de minha infância, ao lado dos amigos. Algum Deus os levou, outros, eu não sei por onde andam.
Nadando e pescando nas águas do rio, em cujas barrancas deixamos nossos rastros na sua poeira branca e argilosa misturada a uma camada de areia fina, que chegava queimar nossos pés quando sol se tornava impiedoso.
É uma página de minha vida, escrita nos anais do Vale do Picão, que se iniciou aos meus sete anos de idade até aos vinte e um. Quando me casei mudando meu local de atuação, indo escrever outro capítulo, dando seqüência à minha história de vida.
Caminhava-me descalço por esta estrada, de encontro ao sol da manhã, para voltar bem à tardinha ao lado de meus amigos e familiares, no fim de mais uma jornada de trabalho, com o sol vertido ao poente. Alongando nossas sombras que nos seguia estrada afora. Éramos fieis expectadores no ocaso do astro rei. Cedendo espaço ao crepúsculo que chegava puxando o manto da noite bordado por milhões de estrelas, e o luar mais encantador que conheci em todos os tempos de minha existência.
Estrada essa que me fás reviver a criança que fui um dia, responsável pelo dever no trabalho exigido por meus pais, como rezava a cultura da época, e era parte na educação dos filhos.
Mais de meio século se passou, agora, hospedado pelas rugas que me consumiram o brilho da juventude, e com os poucos cabelos que me restam, assemelhados as plumas de neblina e as garças que eu tanto admirei, caminhei novamente por ela de encontro ao sol da manhã. Tocado pela saudade.
Desta vez sem as marcas do carro de boi, mas conduzindo na mão uma ferramenta completamente diferente daquelas do passado, época que jamais eu imaginava que viria a existir-, uma minúscula maquina, com a qual eu fotografei minha própria sombra contra o mesmo sol da manhã, que ao contrario do saudosista em que me tornei, rejuvenesce a cada amanhecer. Avivando e aquecendo minha memória, às vezes machucando meu coração, chegando arrancar-me, as lágrimas da alma.
Inspirado neste saudosismo e nas imagens dos personagens do passado que vão caindo no esquecimento, mas permanecem vivos e engavetados na minha memória.,nasceu oeste conto.Lembrança com a qual eu tento preencher o vazio e abafar esta chama de saudade, que os anos e o tempo insistem em manter acesa.





 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 03/02/2014
Reeditado em 14/03/2014
Código do texto: T4676098
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