Clóvis, o buraquerador azarão
Os meus causos não estariam completos se eu não narrasse
algo sobre um dos personagens mais sem sorte e bizarro que já
conheci, o Sr. Clóvis. Não que ele fosse um cômico por natureza,
porém sua impaciência, nervosismo e interesse por mulheres o
colocava diante de acontecimentos hilários.
Quando era ainda um garoto foi trabalhar para um português,
dono de uma padaria. Ele fazia de tudo na padaria e ainda tinha
de entregar os produtos para os fregueses. Na sua lida diária tinha
de fazer faxina, tratar dos animais do português, entre outros afazeres.
Como era seu primeiro emprego e não tinha dinheiro para
nada, o português o deixou morar em um quartinho anexado à
sua residência. O banheiro único era feito de tábuas e ficava fora
da casa, e todos o usavam para o banho e demais necessidades.
Certa ocasião veio passear na casa do padeiro uma linda sobrinha,
daquelas de parar o trânsito.
O Clóvis cascava milho para os cavalos e viu a tal sobrinha
entrando para tomar banho. Preocupado com a higiene da moça,
maquinou um plano para ver se ela estava tomando banho direitinho.
Andou ao redor do banheiro e nada de achar uma fresta que
lhe permitisse buraquear a donzela de uma posição mais confortável
e adequada. Depois de muita procura encontrou um buraco bem
embaixo, mais ou menos uns trinta centímetros do chão. Era preciso
ficar de quatro para conseguir olhar pelo buraco. A posição não
era lá muito confortável, porém o prêmio valia qualquer esforço.
Tinha de se abaixar muito, e ficar de joelho com o traseiro para
cima. Verificou em volta se não tinha ninguém olhando, posicionou-se
para sua sedutora tarefa. Já estava um pouco escuro, o que
lhe deu certa confiança de que ninguém lhe pegaria no pulo.
O português precisou dele para uma atividade extra e saiu
em seu encalço. Procurou por todo lado e nada de encontrá-lo.
Quando já estava quase desistindo, percebeu algo estranho perto
do banheiro, foi pé ante pé para não ser visto ou escutado e pegou
o Clóvis na posição que Napoleão perdeu a guerra. Chegou
por trás dele e deu um chute com toda sua força na bunda do
infeliz. A cabeça do Clóvis forçou as tábuas e passou para o lado
de dentro do banheiro. A moça quase morreu de susto e saiu do
banheiro para a casa correndo enrolada em uma toalha. Quando
a cabeça passou, as tábuas voltaram e o prenderam pelo pescoço,
aí foi só o português batendo e ele tentando escapar. Levou tanto
chute que acabou desmaiando, teve de juntar toda a família para
forçar as tábuas e tirar o rapaz de lá. Quando recobrou a consciência
viu que estava sozinho em seu quarto. Juntou suas roupas
em uma mala e fugiu sem receber o salário do mês.
Depois de alguns dias encontrou com o português que disparou a rir,
dizendo-lhe que não precisava ter fugido. Ficou muito
sem graça e tentou livrar-se do ex-patrão o mais rápido possível,
mas esse não o deixou ir sem que recebesse o resto do salário.
Clóvis andou de emprego em emprego até que resolveu comprar
um caminhão, que depois trocou por uma carreta. Mas as
bizarrices continuaram acontecendo em sua vida. Aqui, segue
um pouco mais de suas histórias nas estradas.
Ele sempre foi muito prestativo, gente boa absurdo, mas um
pouco nervosinho. Ele me lembra o Saraiva, personagem de um
programa humorístico.
Sua profissão o fez viajar pelo Brasil todo. Certo dia me contou
um caso que aconteceu com ele enquanto viajava. Estava longe
de casa e tentava arrumar um frete de retorno, por isso foi parar
em uma usina açucareira. Entrou em uma fila enorme onde havia
várias carretas e caminhões esperando pelo carregamento de sacos
de açúcar. Depois de muita espera chegou sua vez. O gerente veio
vistoriar sua carreta para ver se atendia às normas de qualidade da
empresa. Depois da sabatina o gerente disse que precisava lavar
a carroceria da carreta, para evitar que sujasse a carga. Como no
local não tinha como lavar, Clóvis precisaria ir ao posto mais perto
que ficava a uns 10 km. Antes de sair perguntou se era só isso que
precisava fazer ou se tinha mais alguma reclamação. O gerente lhe
questionou se a lona era nova, ele respondeu que sim e foi lavar a
carreta sem mais perda de tempo.
Chegando ao posto teve que lavar a carreta sozinho, pois
não tinha ninguém para ajudar. Durante o trabalho bateu com
a cabeça em um dos ganchos da carroceria: o melado desceu na
hora e o galo estufou a sua vasta calvície. Tentando conter a raiva,
olhou para o gancho e soltou uma preciosidade:
— Ganchinho lindo! Se você acha que vou xingar ou vai me
deixar nervoso, está enganado.
Depois abriu a caixa de ferramenta, pegou uma marreta e
bateu até o gancho sumir dentro da madeira. O bombeiro que
estava perto quase explodiu para não rir na cara do Sr. Clóvis.
Detalhe, esse ganchinho nunca mais acertou a cabeça de ninguém.
Clóvis retornou do posto com a carreta lavada e com a lona
já colocada por sobre a armação de ferro da carroceria. O gerente
entrou debaixo da lona com uma lanterna e encontrou minúsculos
buraquinhos nela. Quando saiu da carroceria disse ao Clóvis
que tinha de comprar outra lona se quisesse carregar. O Clóvis
já nervoso e estressado com o gerente, falou na maior altura para
ele alugar um ônibus da Cometa, colocar um saquinho de açúcar
em cada poltrona, passar o cinto de segurança, ligar o ar-condicionado
e pedir ao motorista para ir bem devagarzinho para não
amassar os saquinhos. Ainda advertiu para não se esquecer de
pedir para colocar um som ambiente com músicas bem melosas
para agradar os ilustres passageiros e completou: “ou então você
pega os saquinhos e enfia um por um, pelo menos vai ficar com o
anelzinho bem docinho.” Até mesmo o gerente acabou rindo da
situação, mas quem gostou mesmo foram os outros carreteiros,
pois gostariam de falar o mesmo para o tal gerente.
Mas a saga ainda não tinha terminado, saiu da usina jogando
poeira em todo mundo, com um baita galo na careca e continuou
sua viagem de regresso sem carga. Logo adiante parou no acostamento
de uma avenida de mão dupla muito movimentada. Saiu da
cabine e atravessou a pista para ir a uma autopeças do outro lado.
Comprou uma peça que há muito procurava e, para certificar-se
que estava correta, foi na carreta conferir. Quando regressava para
pagar a peça e ainda estava no canteiro central, Clóvis ameaçou
correr para atravessar a rua antes de um carro que vinha devagar.
No entanto, ele preferiu retornar e ficar no canteiro esperando. A
condutora do veículo se assustou, perdeu o controle, subiu em cima
do canteiro e o atropelou. Ela desceu do veículo no maior desespero,
chorando muito e querendo levar o Clóvis para o hospital de
qualquer jeito. Ele se levantou todo escalavrado, mancando muito,
o chinelo arrebentado, a bermuda rasgada e os documentos espalhados
pelo asfalto. A peça que estava em sua mão simplesmente
espatifou-se em mil pedacinhos. Ele, muito nervoso, pediu para
a mulher sumir da sua frente, que de forma alguma ia entrar no
carro de uma barbeira para ir ao hospital.
— Você está querendo é acabar de me matar!
Algum transeunte o ajudou a pegar suas coisas espalhadas, ele
deixou a mulher falando sozinha e foi para a autopeças.
Tomou um pouco de água, foi ao banheiro lavar as mãos e
o rosto, verificou que a cueca estava ilesa e logo se recuperou do
susto. Então, Clóvis pediu para o vendedor arrumar outra peça
para ele, e teve a triste notícia de que aquela era a última. Puto
com sua falta de sorte, ele foi pegar o talão de cheques para pagar a
peça, mas só encontrou a metade do talão, a outra parte havia sumido
no acidente. Teve que juntar todo o dinheiro que tinha no
bolso para pagar a peça, só conseguiu porque o vendedor lhe deu
um bom desconto para compensar o infortúnio acontecimento.
Se não fosse trágico, seria cômico. Retorna o Clóvis para a
carreta mancando, todo arranhado, com a chinela arrebentada na
mão, a bermuda rasgada na bunda e sem um tostão para prosseguir
a viagem. O que fazer? Ligou para seu amigo caminhoneiro
que estava na açucareira esperando para carregar o caminhão, e
lhe contou o que havia ocorrido. O caminhoneiro conversou com
o gerente da usina de açúcar, lhe explicou o que havia aconteci-
do, e esse concordou em carregar a carreta do Clóvis diante da
situação lastimável. O Clóvis colocou a viola no saco, encarou
calado o tal gerente que deu um risinho de vitorioso. Carregou
a carreta e seguiu viagem rindo do próprio infortúnio.
Moral da história: nada é tão ruim que não possa piorar,
nem tão triste que não possamos dar boas gargalhadas depois do
desfecho final. Rir da própria desgraça muitas das vezes é o único
acalento que nos resta.
Kennedy Pimenta