O CAIPIRA E O BAÚ DO CAPETA

Lembro-me de um casebre de capim barreado amarrado de cipó em cujas trincas no barro argiloso da parede do seu interior, me encantei com a magia de umas penas muito verdinhas, com algumas pintas amarelas e vermelhas enfiadas nelas. Creio ser de periquito e papagaio. Isso eu deveria estar com menos de cinco anos de idade, é uma lembrança daquelas que mais parece um sonho mágico quando tudo é fantasia numa cabecinha de criança.

Seus moradores, Luis de Bico e Tuquinha o casal caipira mais e unido que habitou o Vale do picão em todos os tempos. Marcou a história, pelo amor e dedicação que cultuaram um pelo outro. Inseparável como carne e unha, onde um botava o pé o outro punha seu nariz, Chegando a se transformar em figuras folclóricas simbolizando o amor conjugal tamanha foi sua união. Movidos pela fé, o temor a Deus, e o medo que tiveram do diabo, se tornaram referencia, e um exemplo na criação de seus filhos que nasceram todos com o dom da paz e educação.

Descendentes de escravos eram cegamente analfabetos, mas tementes a Deus, legou a nossa sociedade uma prole numerosa trabalhadora e honesta. São muitos seus descentes cujo valor social é imensurável, nessa terra do Bom jardim do Picão e do Ribeiro.

Vivenciaram numa época que o caipira limitava-se a viver apenas dos recursos naturais, retirando tudo da natureza para sua sobrevivência, desde o seu sustento, aos seus bens e utilidades de consumo. Nunca nem ao menos conheceram qualquer tipo de modernidade.

Certa vez Tuquinha acometida de um forte resfriado, foi aconselhada a tomar um medicamento de nome guaraina, com um chá das ervas que costumava o usar. Luis seu marido botou pé na trilha em busca de tal pastilha milagrosa. Na esperança de curar a maldita difrussêira que atormentava sua amada, se dispôs a comprar o remédio embora, contra seu conceito de caipira que só acreditava no poder de cura da natureza.

Moradores no casebre acima citado, no local conhecido como saco da erva. Luis partiu com destino a farmácia do pequeno povoado do Engenho, caminhava repetindo o nome do remédio, para não esquecer, dizendo interruptamente La com seus botões:

-- guaraina aqui, guaraina ali, guaraina acolá, de repente tropeçou, num toco esqueceu o bendito nome. E agora não queria decepcionar sua querida Tuquinha, imaginou:

-- Deus vai ajudá ieu, o home farmacêutico sabe o nome desse trem. Assim que botou o pé na porta da farmácia... Espantou-se com uma voz que dizia:

-Se a gripe atormenta e a dor é infernal, tome guaraina o remédio ideal parar curar o meu e o seu mal, mal, mal, mal!

- ouvindo isso o velho disparou correndo tomando rumo ignorado. Dois clientes que se faziam presentes no estabelecimento comercial não entenderam aquele procedimento. Getúlio Fidélis o farmacêutico, preocupado, quis saber o que ocorreu, nenhum soube explicar, o que o levou a sair em disparada.

A tarde caiu e nada de Luis regressar a seu rancho, preocupada, Tuquinha pesando no pior que poderia ter acontecido com seu querido esposo, apelou ao genro Antonio Coringa, para ir procurá-lo.

Coringa encontrou o sogro apavorado de olhos estatalados de joelhos e abraçado ao pé do cruzeiro nas proximidades do Buriti da Amélia. Cruzeiro este que foi transferido do local de origem, e atualmente esta dentro do cemitério do Engenho, e é um símbolo da fé cristã de nossos antepassados.

Pois bem, Coringa sem entender o que estava ocorrendo, perguntou ao sogro se estava tudo bem:

--Ta bão coisa niuma ieu iscuitei a voiz do demonho La na farmaça do Getulio, o bicho ta num baú inrriba do barcão. Assim quieu cheguei, ieu tinha isquicido o nome da tar pastia. Quando ieu ponhei a cara na porta de dento dum caxote o capeta falô o nome da pastia inda falô nua dor saída do inferno cu trem cura ripitino o male, male, sem Pará. ´só pode cê capeta pa mode divinhá o qui ieu quiria cumprá.. Curri pra qui modi qui sei quel tem medo de cruiz, anssim num mim pegá! Daqui ieu num saiu de jeito nium!

--Bamo simbora modi qui dona Toquinha ta La quais morta de cuidado cussinhô!

Intonse ocê pega esse facão corta dois pau e um cipó e fais ua cruiz mode ieu i carregano mode o diabo fugi.

- Ma ante disso ieu vô La na farmaça modi busca o tar do remédio cumo é memo o nome dele?

--Ocê num vai busca esse trem não quisso é coisa do capeta e minha Tuquinha num vai bebê coisa de capeta mium não!

-- Coringa não obedeceu foi até a farmácia, ao vê-lo Getúlio que sempre foi um homem muito gentil foi logo indagando:

-- E ai Antônio, estava eu aqui preocupado com o seu sogro, ele teve aqui parecia querer alguma coisa, dirrepente saiu em disparada.

El diz que um capeta correu quele daqui qui tava dentro dum baú de caxote. Agora ta La no arto do buriti da Amélia morreno de medo braçado no cruzero!

--Antonio, hoje já não da mais tempo, já é quase noite, mas traga ele aqui amanhã, ai o baú é eese caixote que o assombrou. Esse é o tal do rádio já ouviu falar?

-- Já iscuitei uas curversa do zoto falano no tar radio intão é isso?

-É sim que ouvir?

--ieu quer uai!

Getúlio muito atencioso e gentil ligou o radio, por coincidência repetiu a mesma propaganda do analgésico guaraina, mais um motivo de admiração par o Coringa que perguntou se era um adivinhador que estava la dentro do acaixote, Getúlio o explicou com detalhes o seu funcionamento, coisa difícil para um caipira entender. Foi o primeiro que chegou à comunidade do Engenho, causando grande admiração, onde todas as noites os moradores se reuniam para ouvir e encantar com a programação.

Coringa andou no entorno daquele troço até então nunca visto aqui no povoado.

Ieu pode ponha a mão nesse trem?

-Pode sim fique a vontade sinta o tremor da voz que sai dele, e diga a seu sogro que não tem nada de assombrado isso ai é gente conversando a muitas léguas de distancia daqui.

Por mais que o Coringa explicou, tentou levá-lo para conhecer o tal caixote falante, não conseguiu convencer o sogro a acreditar na história de forma alguma.

Àquela altura a noite caía e ele só o levou de volta a casa depois de fazer a tal cruz amarrada de cipó de são João.

Segundo contaram os mais idosos Luis de Bico nunca mais botou os pés nos locais onde apareceram os primeiros rádios. Sempre assombrado dizendo que era coisa do inferno e que dento daquele caixote morava um capeta.

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 19/08/2013
Reeditado em 09/11/2014
Código do texto: T4441772
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