SÃO JOÃO CURA
Engenho do Ribeiro, município de Bom Despacho, é minha terra e também do Geraldinho do Engenho e seu primo Dilermando Cardoso, sendo estes últimos escritores dos bons que postam suas preciosidades literárias aqui no Recanto. Nasci ali nas proximidades, Fazenda do Cedro de onde tivemos que mudar para o povoado quando eu contava uns cinco anos de vida. Tem muitos “causos” interessantes daquelas bandas que o Geraldinho tão bem sabe narrar. Conheço poucos, pois com aproximadamente doze anos nos mudamos para a cidade e depois a vida empurrou-me para outras localidades até que criei raízes profundas em Divinópolis.
No Engenho tinha um parente meu que vou denominar de Zeca para não dizer o nome, a mãe dele era irmã do meu avô. Era atrapalhado, bebia muito, adorava umas farras, brigava de vez em quando e não perdia uma oportunidade de “aprontar” com alguém e contava depois dando grandes e inconfundíveis gargalhadas.
Nas proximidades do povoado moravam dois senhores que tinham hérnia escrotal, o caso em que parte do intestino desce para o saco escrotal causando um aumento do volume e certamente incomoda muito além do visual constrangedor. O Zeca vivia falando com os dois velhos que ia curá-los da “quebradura”, era só esperar uma noite de São João que ia fazer uma “simpatia” que não falhava. Os dois ficavam empolgados com a possibilidade.
Aproximando o dia de São João o Zeca marca com os dois senhores para colocar em prática “os seus conhecimentos” de benzedor. Teria que ser ao anoitecer do dia 23 de junho, véspera do dia de São João nas margens do Rio Picão que passa próximo do povoado. Eles não faltaram e o Zeca foi logo falando:
- Muita fé e esperança que São João cura. Tirem a roupa e entrem na água e fiquem até a meia noite. Podem ficar rezando e proseando, mas sem falar besteiras que São João não aprecia. Vou deixar vocês e mais tarde eu volto para completar a “benzeção”.
E lá se foi o Zeca para o povoado beber suas pingas e contar para os companheiros de copos a sua façanha e todos rindo dos dois velhos que se encontravam mergulhados na água gelada
do rio.
Os dois nas águas gélidas e tremendo de frio um falou para o outro:
-Cumpadi, passei a mão e a acho que tá miorano, pois incoieu muito. E ocê?
- Já passei a mão muitas veis e tô sastifeito, pois tá diminuino muito. Pió é o frio.
Lá pelas dez horas o frio aumenta muito e o Zeca fica preocupado e resolve antecipar as coisas. Volta ao rio e os dois senhores mal podiam falar tamanha tremedeira. Um risco de hipotermia. Ele então pergunta se já sentiam algum resultado e ambos confirmam:
- Mîorô muito Zeca, já tá de bom tamanho.
O Zeca sorrindo disse:
- O certo mesmo é a meia noite. Querem completar a empreitada ou parar assim mesmo? Os dois responderam parecendo que tinham ensaiado:
- Nóis qué saí. Nóis num guenta mais o frio.
- Então em nome de São João agente interrompe. Mas ninguém pode ficar mal satisfeito com o resultado, pois, o sacrifício não foi completado. Podem sair da água e vamos embora com Deus.
Os dois pularam para fora e correram para suas casas. No dia seguinte bem cedo os dois se encontraram cada um querendo saber o resultado do outro.
- E aí cumpadi Chico, cumé que ocê tá?
- Tô bão mais o “trem” dispois que isquentô vortô a ficá do memo tamanho se num fico maió. E ocê?
- Do memo jeito. Será que o fedazunha do Zeca sabe curá quebradura ou quiria só ri de nóis?
- Num sei, num quero tirá prova nem vê aquele marvado nunca mais.
Passaram a esconder do Zeca, mas quando um era surpreendido em algum lugar o Zeca perguntava como estava ele se encolhia todo e respondia já saindo de fininho:
- Tá bão seu Zeca, diminuiu muito... Tá desse tamaninho.
De longe ouviam as gargalhadas do Zeca.
O Zeca não parava de comentar o ocorrido e rir dos dois coitados e dizia que no próximo dia de São João ele ia colocar os dois velhos de molho. Os comentários chegaram até as suas vítimas que procuravam uma saída.
No ano seguinte em meados de junho o Zeca procura os dois coitados e vai logo dizendo:
- Vamos completar aquele serviço que ficou mal feito o ano passado?
Um dos velhos respondeu, em nome dos dois, o que tinham combinado:
- Vamo sim seu Zeca benzedô! Só que fico mal feito pro que o sinhô não feis a sua parte direito. A benzeção prá dá certo, o benzedô tem que tá na água junto, rezano e passano as mão nas parte criscida dos dois e o sinhô num cumpriu essa parte. Qué completá?
O Zeca deu uma sonora e longa gargalhada como era o seu costume e esperto como era respondeu:
É verdade. Mas quem me ensinou a benzeção ainda não tinha me ensinado essa parte e a benzeção só pode ser feita uma vez e a minha eu já fiz. Vamos procurar outro benzedor, quer que eu ajudo vocês?
O outro que estava calado falou:
- Carece não seu Zeca, prucurá nóis sabe. Vai que nem isso ocê aprendeu pra dá certo da primera veis e tem que cunsertá no outro ano. Brinca viu? Brinca cum véio e cum São João quele cura nóis e fais ocê rastá o resto da vida um grande sacão. Mais fais mar não né? ocê num é benzedô? Ocê memo pode infiá lá na noite de São João e ficá benzeno até meia noite ou mais.
- Para de brincadeira gente... Fica com Deus que tô indo embora.
Toda vez que alguém tocava no assunto com o Zeca ele dava suas gargalhadas e respondia:
Vamos mudar o rumo da prosa e deixar esses velhos prá lá e Viva São João!
Divinópolis
18-07-2013