HISTÓRIA DE UM MENINO CAIPIRA
Quase sempre nas curvas da história afloram-me as lembranças do ontem, quando a vida deslizava suave como a brisa roçando as pradarias nas belas tardes de outono, livre desta corrida maluca provocada pelos vendavais do progresso tecnológico que faz com que ela passe num estalar de dedos celerada atropelando o tempo.
Dia destes olhando pelo retrovisor da vida encontrei na esquina do tempo, em meu distante passado, duas figuras simpáticas, daquelas que marcaram a história com seu trabalho digno e honrado. “Chiquinho de Paula ajudante e Chico Preto o Chofer do caminhão que recolhia o creme de leite para a indústria de manteiga Soares Nogueira.”
Era na sexta feira, um dia que ficou referenciado pela coleta do produto lácteo efetuado uma vez por semana. Uma boa alternativa para o pessoal do Engenho, Ressaca, Ritirinho, e Raposo que empinhocavam sobre as latas de creme viajando de carona à Bom Despacho, para voltar a pé no dia seguinte. Não havia linha de jardineira. Levavam de tudo, ovos, galinhas, porco, cabrito, cachorro, papagaio e periquito além de legumes e frutas. Chiquinho de Paula o ajudante, era de uma simpatia contagiante, tratava todos com aquela alegria, conquistou inúmeros amigos com seu tradicional sorriso espontâneo.
Lá pelo inicio do ano de 1950, com menos de oito anos de idade a minha primeira viagem de caminhão à vila de Bom Despacho, cuja dobrinha de lembrança eu encontrei afixada na gaveta de minha mente. Lembro-me como um delicioso sonho, estava louco por uma oportunidade de viajar no caminhão que recolhia creme, e conhecer aquelas cabacinhas que lumiavam substituindo as lamparinas a querosene, que minha irmã mais nova que eu, já conhecia. Tia Cotinha era sua madrinha e a levou em sua casa, quase me matou de inveja da irmã, pela oportunidade em viajar no fordinho vinte nove do tio Rorick.
Levado por meu adorável avô Guilhermino, meu ídolo em todos os tempos. Agarrado ao maiál do caminhão eu sentei sobre a tampa de uma lata, que carinhosamente Chico de Paula forrou para mim com um pedaço de lona. Admirando a paisagem tive a impressão que as arvores todas corriam ao invés do veiculo. Duas lembranças da Vila ficaram gravadas, a cantoria dos galos ao amanhecer e o rangido das rodas das carroças no cascalho, abarrotadas de lenha que transitavam na Rua Marechal Floriano e no larguinho de São Pedro, atual Praça Altino Teodoro. Da viagem de volta ao Engenho não me recordo. Jamais esqueci os dois funcionários que recolhiam o creme, e que se tornaram figuras importantes e queridas no meio rural.
Certa ocasião essa dupla pregou um susto enorme em seus amigos, uma tarde chovia torrencialmente, os rios e córregos transbordavam, as condições da estrada eram péssimas, na ponte do raposo a água passava banhando a tábua da ponte, o caminhão lotado, a ponte quebrou, o chofer saltou de um lado e Chiquinho de Paula desapareceu do outro, as latas rodaram na enchente, o Chico preto pediu socorro na fazenda do Odílio, foram procurar pelo desaparecido. Chovia muito e nada de encontrá-lo, a enchente cada vez se avolumava mais.
Desistiram das buscas, Chico Preto decidiu pedir abrigo na casa de um peão da fazenda bem abaixo do local da tragédia. La estava o Chiquinho de Paula bem quentinho vestido com uma muda de roupas cedidas pelo morador da casa sentado ao pé do fogão de lenha enxugando suas notas de cruzeiros na chapa quente do fogão. Aliviados os dois renderam graças a Deus por estarem vivos.
Anos mais tarde Chico Preto foi substituído por Venâncio Durval, outro que também foi muito querido na região em todos os tempos. São figuras que merecem serem lembradas porque, com honradez e dignidade fizeram história, mas acabam caindo no esquecimento.