A CARTOMANTE E O DIA DOS NAMORADOS

Hoje doze de junho de 2013, dia dos namorados, eu tentei escrever algo condizente com a data. Por mais que me esforcei não consegui, faltou-me inspiração. Se com ela já deixo a desejar imagine sem ela, meu caro leitor. Desliguei o computador e a convite de minha esposa, como costumeiramente fazemos uma vez por semana, fomos ao nosso cantinho na roça.
Antes passamos pelo centro comunitário, onde está atuando uma oficina de teatro de bonecos, dirigida pelo grupo Kabana, ministrando aulas aos adolescentes da comunidade, o que, aliás, está nos fazendo crer que em breve teremos nosso grupo de teatro, cujo nome sugerido pelo professor Mauro componente da equipe, será grupo de teatro Engenhos.
Encerrada nossa visita a oficina, na saída, estava uma idosa em sua cadeira de rodas, cujo nome é um pouco estranho, ”Merendolina” nome este, que adéqua perfeitamente com o que ela foi, ou tentou ser, no passado, “cartomante” poucos ou quase miguem a conhece pelo nome, é conhecida pelo apelido que também não foge muito a regra no enigmático misticismo-, Uíta. Fiquei penalizado ao vê-la naquela situação de imobilidade física, sendo cuidada por seus familiares. Situação que acabou mexendo com meu imaginário trazendo-me as lembranças de suas premonições no passado, quando inúmeras pessoas a procuravam em busca de suas previsões; fator que lhe rendeu certa fama.
Em abril do ano de 1960, com os meus dezessete anos, encantei-me por uma namoradinha, amor de verdade, paixão de adolescente. Febril de amor por ela, eu não admitia que nenhuma cartomante ou um adivinho qualquer colocasse ventilador em minha farofa de amor.
Duas de minhas irmãs namorando serio, e um primo apaixonado por uma jovem, mas uma paixão daquela avassaladora de arrebentar o coração.
Sempre unidos, nós tentávamos consolá-lo, a jovem estava noiva, e já de casamento marcado. Mas ele não perdia a esperança de forma nenhuma.
- Certo dia ele veio a mim, e me confidenciou dizendo:
--Eu procurei a Uíta, ela consultou as cartas para todos nós, você suas irmãs e eu!
-- E ai o que ela disse, alguma coisa20 de muito especial?
--Suas irmãs vão casar com os atuais namorados, eu também vou realizar meu sonho com aquela jovem que eu amo de paixão, agora você não tem a menor chance, o seu foi o único que não deu certo; ela consultou as cartas diversas vezes, elas dizem a mesma coisa.
-Hahahá sua paixão está noiva falta menos de trinta dias para se casar, e sou eu que vou perder a minha? Você acredita nisso, pode tirar seu cavalo da chuva você não tem a menor chance primo!
--Vamos esperar para ver, ela está noiva, mas ainda não se casou, segundo as cartas da Uíta, uma semana antes o casamento dela vai acabar.
--Tô pagando para ver primo, esqueça a moça arranje outra namorada, não sofra por alguém que lhe é tão indiferente!
-- Vamos aguardar o que está escrito vai acontecer; eu não perco minha esperança, se está reservado para mim cedo ou tarde será meu!
Apaixonado como eu estava, não admiti de forma nenhuma aquela hipótese. Faltando oito dias para o casamento da jovem, por quem o primo era apaixonado, ela, em comum acordo com o noivo desistiu de se casar.
--Meu primo eufórico de alegria veio me contar o acontecido, e me advertiu.
-- Pode colocar sua barba de molho porque o seu não vai dar certo de forma nenhuma, eu voltei La, a Uíta consultou as cartas de novo, diversas vezes para todos nós, o seu é o único que não vai dar certo.
Fiquei triste com aquilo, tentando não acreditar. Tempos depois, ele começou a namorar sua pretendente e se casou.
Eu apaixonado e sendo correspondido, de repente por nada acabou meu namoro, ela e eu sofremos para caramba.
Cada um de nós seguiu nosso caminho, casamos com outras pessoas, e somos felizes.
Minhas irmãs também se casaram com os seus pretendentes. Pelo menos nessa premonição a cartomante Merendolina, ou Uíta, como queiram, acertou!
O primo e sua esposa são verdadeiros heróis, seus filhos inteligentes e trabalhadores, já comemoraram as bodas de ouro dos pais, uma família exemplar na qual, muitos outros casais poderão espelhar.
-- Seguindo nosso trajeto, durante os onze quilômetros que separam o centro do Engenho e nossa fazenda, minha esposa percebendo que eu viajava mergulhado em devaneio, permaneceu em silencio.
Logo que começamos a irrigar nosso jardim, uma roseira recém podada com diversas rosas, e botões por desabrochar conduziram-me a uma nova viagem no tempo. Voltando ao ano de 1966 quando ali chegamos minha esposa e eu, como duas daquelas flores que acabaram de desabrochar. De mãos vazias, com a cara e coragem, plantamos nossa casa no meio de uma capoeira. Com o nosso trabalho digno sempre respeitando a Deus e a natureza. La estava ela e eu, agora como duas bananeiras que já produziram seus cachos, ou talvez duas daquelas rosas descoloridas, que perderam o brilho e o perfume, mas com sua missão cumprida, missão de gratuidade alegrando a vida e a natureza como as rosas, o faz, conforme determinação de Deus nosso criador. Durante nossa corrida pela vida, cuidando de nossos filhos, jamais tive tempo para fazer o que agora estava eu fazendo, cuidar das flores juntamente a minha esposa, minha eterna namorada. Éramos duas crianças quando trocamos nossas primeiras juras de amor como namorados, naquele treze de agosto de 1961, cinqüenta e dois anos se passaram, e Ca está eu, com os meus cabelos brancos, rosto enrugado, sem o brilho da juventude, mas com a experiência de uma vida digna, e muitos anos de trabalho nessa caminhada, sempre juntos amparados pela mão de Deus.
- Em relação ao jardim, a sua gratuidade está na tonalidade nas suas cores e no seu perfume, com os quais nós alegramos a vida, e somos conduzidos pela enigmática magia traçada nas linhas geométricas de nossa existência. Para que se cumpra sua missão de gratuidade alegrando-nos e ilustrando a natureza, precisa ser cuidados, e depende de nós.
Porque o tempo, e esse cuidado, é que faz brotar das flores esta gratuidade que nos traz alegria, nada melhor que oferecer uma flor para demonstrar o carinho à gratidão e o amor ao semelhante. É na magia desta gratuidade que encontramos a alegria de viver.
Lembrando o grande poeta gaucho Mario Quintana, que dizia: “Os jardins não morrem por falta da água, eles morrem por excesso de sol”,
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 17/06/2013
Reeditado em 18/03/2014
Código do texto: T4345412
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