Ideia de jerico
Eu estava quieto, quietinho, no paiol futucando bundinha de vespa para retirar aqueles enormes ferrões. Aí veio o Ladinho, meu irmão, me chamar para irmos na vereda ver as lavadeiras. Descemos pelo carrascal até o brejo. Lá estavam as lavadeiras com suas bacias e seus sabões de cuada. Haviam muitas roupas e lençóis quarando ao sol. Elas falavam muito, tiramos a roupa e caímos na água geladinha da vereda, as lavadeiras ralharam conosco para que não sujássemos a água. O Ladinho era muito bom de mergulho e as vezes ficava tanto tempo debaixo d'água que me assustava. Eu, que já era criadinho ficava ali, de bobeira, botando reparo nas coxas descobertas e nos seios que ficavam a mostra nos decotes exagerados das mulatas. Elas se riam de mim e até faziam graça comigo me mandando crescer. Bem, quando saímos da água, nos vestimos e saímos para ir embora.Na trilha minúscula, o Ladinho teve a brilhante ideia de amarrar os caules de fedegoso na trilha para alguém tropeçar, eu tentei discordar, mas a ideia de boas risadas me convenceu a concordar com ele e até ajudá-lo a amarrar os caules fedidos. Nos escondemos em uma moita e ficamos esperando a nossa vítima. Veio a única pessoa que não poderia cair naquela armadilha, o seu Zezito, um senhor de certa idade que era muito amigo do papai e que era bravo feito onça. Vinha caminhando rápido com a bacia de roupas que a dona Nora, sua esposa, tinha lavado na veredinha. Veio vindo, vindo e meu irmão e eu nos olhando com olhos esbugalhados, torcendo para os caules se romperem... Mas não, ele tropeçou e caiu. E caiu feio. A bacia foi parar uns dois metros na sua frente e a roupa ficou toda suja de areia. A dona Nora envinha atrás e gritou alto:_ZEZITOOO!!! Meu irmão e eu ficamos tão apavorados que saímos correndo em direção à casa grande. Era de tardinha, fomos para o quarto e nos deitamos. Daí a pouco chega o seu Zezito irado, tinha nos visto correr. Dedurou feio para o papai. Tentamos negar, dissemos que não fomos nós e que estávamos por ali caçando araticum-de-janeiro, mas não adiantou. O papai pegou o rabo-de-tatu que ficava atrás da porta da cozinha e nos aplicou uma tunda daquelas. Foi a única vez que o papai nos bateu mas, trazemos até hoje a marquinha que o infeliz do rabo-de-tatu deixou em nossas pernas. Anos mais tarde, quando o Zezito morreu, estávamos falando sobre ele em nossa casa, eu já havia 'saído para estudar', e tinha vindo visitar o papai, e foi ele quem se lembrou dessa história. Ele disse que o seu Zezito e ele tinham rido bastante depois da peça e da sova. Menino tem cada ideia.