UM GÊNIO QUE ESCAPOU DO ABORTO PAGOU O MAL COM O BEM
ULTIMO CAPÍTULO
Acompanhada por Laura Manoela desceu até a senzala, requisitou duas mucamas para a preparação dos aposentos e o jantar. O escravo Chico Velho muito eficiente e prestativo, logo que percebeu a chegada dos visitantes tomou As rédeas da carruagem de Pedro indo cuidar dos animais. Manoela não continha sua alegria com a presença da amiga, e as lagrimas furtivas pela emoção rolavam involuntariamente.
Na cozinha a conversa era animada entre os homens, sentados no entorno da mesa, adoçando a garganta com nacos de rapadura. As mulheres se uniram as mucamas nos preparativos dos aposentos e do jantar. Desfeitas as malas prepararam-se para o banho, dando prioridade as damas respeitando e a hierarquia de acordo com a idade. A começar por dona Meire a mais velha. O chuveiro da residência era uma rica queda d’água, que nascia a poucos metros acima da residência, e era conduzida por bicas postadas sobre uma fileira de esteios de aroeira, vinda de uma pequena e íngreme encosta atrás da casa, penetrava pelo telhado despencando numa temperatura agradável em um confortável cômodo. Uma excelente banheira natural lajeada de pedras também natural. Todos se deleitaram saboreando um delicioso banho espantando de vez o cansaço da longa viagem.
Jantaram sob a luz morteira das luminárias abastecidas pelo óleo de mamonas. O luar encantador espantou o sono de gansos patos e marrecos que perambulavam pelos terreiros saboreando as cascas de legumes descartados pelas cozinheiras, sua luz cândida projetada contra o manguezal, laranjeiras e demais arvores frutífera sombreava com diferentes formas o grande e bem cuidado pomar. A noite era de uma beleza contagiante. Pelas janelas da cozinha via-se o desfile de vaga-lumes que partindo da mata ciliar que protegia a nascente, desciam passando frente a elas, atraídos pelas luminárias. Um belo espetáculo ecológico. Mas o cansaço da viajem exigiu o recolhimento de todos, ficando a prosa para o dia seguinte.
Cinco horas da manhã o coronel saltou da cama. No curral as vacas eram ordenhadas, baldes e mais baldes de leite espumante eram despejado nos latões pelos vaqueiros. As desnatadeiras zoavam na separação do creme de leite que abastecia a pequena fábrica de manteiga artesanal. Produto que semanalmente era coletado por um mercador de Cruzilhas. Os latões de soros despejados nos cochos provocaram uma verdadeira algazarra dos porcos avançando sobre o liquido desnatado.
Richard Vilma e Meire tão logo o sol raiou, se puseram de pé acompanhando a movimentação daquele cotidiano rural, admirando cada detalhe no processo de produção. A mando do coronel Chico Velho lhes mostrava a sistemática de produção e a dinâmica no processamento dos produtos. Eles se encantaram com a educação do velho escravo que detalhou tudo minuciosamente, o processo de produção no engenho de cana a colheita e secagem do café.
Enquanto isso Luizinho, Pedro, Rosa, Manoela e Laura, acompanhados pelo coronel visitavam a velha casa onde Laura residiu. La o coronel muito emocionado se ajoelhou defronte sua porta corroída pelo tempo e ao grupo rezarem uma oração, oferecendo-a memória de seu amigo Antero, e confidenciou:- - toda vez que por aqui eu passo eu rezo uma oração para a alma de meu amigo na esperança que ele possa me perdoar pelo mal que lhe causei! – Deus já o perdoou coronel só ele tem o poder do perdão, nós somos simples mortais, temos apenas o direito de nos desculpar, perdão, este é com ele mesmo, que criou o céu e terra! Assim expressou Laura!
Caminharam pela fazenda até o horário do almoço, conheceram as dependências, aonde os produtos eram manipulados, moinhos de fubá, monjolos casa de farinha, fábrica de rapaduras e cachaça, em fim tudo que movimentava a grande produção de Rancharia. Reservaram a parte da tarde para o passeio nas lavouras e nas cachoeiras. O coronel quis preparar algumas montarias, mas eles dispensaram preferiram caminharem cortando trilhas entre as pastagens e os milhares verdejantes que encantavam com tamanha beleza.
Na manhã seguinte, quando o sol raiou, um boi e um porco já estavam sendo destrinchados na despenca da casa grande. Abatidos a mando do coronel que ordenou o preparo de uma grande festa. Uma curiosa novidade para o francês Richard, pela primeira vez ele assistia ao abate e preparo de um animal. Nunca soubera como se extraia a carne que consumia.
Era grande a movimentação na fazenda Uma diversidade de quitandas e doces sendo preparados com toda a maestria das quitandeiras escravas. Frutas, e milho verde sendo colhido, logo um delicioso perfume de alecrim do campo tostado pelo fogo, invadia todas as dependências e os derredores da fazenda. Laura explicou aos visitantes que se tratava da varredura do forno de barro aquecido para assar as iguarias. Curiosos eles foram conferir.
Todos os trabalhadores se concentraram na limpeza dos terreiros e currais com as mulheres decorando as cercas do patio com ramos e flores silvestres. Uma grande mesa foi improvisada com estacas sobre postas por tábuas corridas no terreiro de secagem do café. Chico Velho ao ver a preparação daquela farta mesa confidenciou com dona Laura: --Voismicê numa acha quesse coronel ta é de miolo mole? Na minha idade ieu nunca vi esse home abri a mão pra dar um bom dia de graça pra ninguém, dispois que teve se tratando na capitar, volta com a mão aberta, eu quero só ver até onde vai tanta bondade, ai tem coisa! – Ele está querendo provar a todos que mudou pára melhor seu Chico, vamos respeitar sua decisão. Ele não tem herdeiros tem mesmo que gastar seu dinheiro é com vocês seu Chico! Esta festa está sendo preparada para vocês! --Será dona Laura-, acredito não!— Foi o que ele me disse, aguarde e verá! Naquele momento chegou o coronel: -- Chico Velho vá até a senzala e avise as mulheres e crianças que La está que se preparem e venham todos, esta festa é de vocês é uma recompensa pelos anos de trabalhos sem nenhuma diversão, uma nova etapa que vão vivenciaram aqui em Rancharia, avise a todos. Podem cantar dançar façam o que queiram até amanhã quando o sol raiar não quer ver nenhuma sobra de comida e nem bebida. —Coronel esta festa não é para seus visitantes? –Também, mas a mesa deles está preparada La na cozinha esta aqui e de vocês!
Luizinho optou pela festa ao ar livre, misturando-se com as crianças que adoraram as brincadeiras do seu tempo de menino ensinadas por ele. Em pouco tempo todos dançavam se abraçando sem nenhum preconceito. Certoro esqueceu sua arrogância e a superioridade demonstrando que realmente era um novo homem. Os escravos e demais trabalhadores nunca se sentiram tão à vontade, viviam sempre com receio e temerosos ao se tratar com o patrão. A festa só encerrou na madrugada, forçando os visitantes a cancelar a viagem de volta, cuja partida estava prevista para aquela madrugada.
O envolvimento com a festividade ocorrida e a mansidão do coronel acabou esfriando o ânimo de Laura na decisão de agradecer pelo gesto solidário na construção do jazigo na sepultura do marido e da filha. Ela sabia que a conversa traria de volta algumas lembranças do passado que jamais gostaria de recordar, mas seu objetivo teria que se realizar, e após o almoço, antes de deixarem a mesa na presença de todos, ela disse: --Coronel o motivo que me levou a engolir o orgulho e voltar aqui em sua fazenda, foi pela memória de meus entes mais queridos, meu marido e minha filha, sua gentileza ao construir um jazigo para eles, tocou-me profundamente, eu imaginava que jamais poderia encontrar o lugar onde eles descansam, mas quando o zelador do cemitério me informou a respeito de sua atitude, eu resolvi passar uma borracha no passado e acompanhar nosso neto até aqui para lhe agradecer por esse nobre gesto! – Fizesse muito bem, em nos visitar, não necessariamente que eu mereça agradecimento, sua visita deixou-me feliz e aliviou minha consciência. Mas você disse nosso neto?—Sim nosso neto! Luizinho é filho de Ricardo, ele nasceu, no dia seguinte Deus levou sua mãe, desde então meu pobre Antero caiu numa tristeza profunda e faleceu pouco tempo depois, acometido pela malaria que o pegou enfraquecido pela paixão. Escondi de você o tempo todo por que era a única maneira que tive para vingar o mal que nos causou! --Sabia disso Manoela, que Luizinho é nosso neto?—Não coloque a comadre na história coronel esta pendência é minha e sua, entre você e sua esposa tem apenas sua divida com ela, a morte de seu filho Ricardo que sua maldade preconceituosa provocou, deixe-a fora desta história, por favor! Quer-se aceitar meu agradecimento ele é sincero, se não quer podemos deixar tudo como antes, você decide! – É claro que aceito comadre, sua revelação me pegou de surpresa, mas é a coisa mais importante que me ocorreu nos últimos tempos. Eu quis adotar este menino porque ele é uma copia perfeita de meu filho Ricardo. Eu sempre admirei sua inteligência me afeiçoei a ele desde que o vi pela primeira vez, só Deus sabe como sofri, tentando encontrá-lo quando vocês partiram sem deixar endereço. Agora só quero que Deus me dê mais alguns anos de vida para que eu possa curtir meu neto. Sei também que ao morrer eu terei alguém para dar seqüência a minha geração. Temos é que arrumar uma noiva para o Luizinho!-- Êpa...Alto lá vovô casamento negociado não me pega não! Aceito o senhor como meu avô, mas minha vida sou eu quem decide seu rumo! – Que isso meu neto querido é só maneira de dizer quem sou eu, para ditar ordens a um gênio!
Após a revelação sentiram-se todos aliviados, retiraram para copa e o coronel todo eufórico e falante começou a traçar planos para elaborar seu testamento e registrar em cartório, dizendo que para isso viajaria a capital o mais rápido possível. O pintor ouviu calmamente os planos do avô deixando a ele toda a sua fortuna. –Terminou vovô? Posso dar minha opinião?—Mais é claro que sim meu neto querido!
–Vovô não se ofenda com o que vou lhe dizer, eu vim aqui para te dizer que desde criança eu sei que sou seu neto, mas em respeito a minha avó eu mantive isso em segredo. O quanto a sua maldade em querer que minha mãe cometesse um assassinato comigo um inocente ainda em seu ventre, eu já o perdoei por isso, mas eu não quero um centavo deste seu império, não é necessário tanto dinheiro para se viver. E eu posso perfeitamente viver com o meu trabalho, ele me é suficiente!—Mas você é meu herdeiro o que eu faço com este patrimônio?—Pense um pouco naqueles que o ajudaram a construir sua fortuna, veja o Chico Velho se morrer amanhã como ficam seus filhos e netos apenas com a saudade desta grande e contagiante alegria e a gentileza que ele possui nada mais herdarão dele, porque toda a sua vida de trabalho está incorporada na riqueza de um coronel que o herdou do pai como se ele deixasse de ser humano, para ser um objeto, ou um animal qualquer. Já parou para pensar um pouco vovô --, imagine herdar escravos do pai, pessoas iguais a nós que trabalham de graça muitas vezes chicoteados como burro de cargas. Faça mesmo seu testamento se é este o seu desejo, mas deixe seus bens para quem os ajudou a conquistá-los. Pense nesta hipótese e decida se quer viver com mais tranqüilidade, para que nós possamos vivenciar como uma verdadeira família curtindo nossos laços como avô e neto; siga a orientação médica. Vá residir na capital para que vò Manoela também possa curtir e fique perto de sua irmã dona Meire. Dê tudo isso para seus empregados e escravos eu prometo cuidar de ti até o ultimo momento se necessário. Dinheiro não lhe falta compre um sitio na periferia da capital podemos ser vizinhos e nos vermos diariamente, se quer pode ir morar conosco. Terei um grande prazer, vó Laura me deu carta branca para convidá-lo.
E assim no dia seguinte o famoso pintor Luiz Gonçalves partiu na esperança que a lição passada ao seu avô lhe tocasse o coração, e surtisse efeito!
Certoro dominado pelo materialismo que manteve arraigado em sua personalidade dificilmente deixaria aquele império, para se adaptar a uma nova rotina de vida. Mas como ninguém foge à realidade, os anos passaram; e derrotado pela velhice ele terminou seus dias numa cadeira de rodas assistido por enfermeiros contratados por seu neto. Um sobrevivente salvo de um aborto, que nasceu graças à atitude do avô materno. Um gênio que encantou o mundo com a sua arte, e pagou o mal praticado pelo avô com o bem, dando-lhe amor e carinho nos seus últimos anos de vida!