Em Um Domingo de Sol


Era domingo. Sol. Nuvens desaparecidas. O azul chegava a doer nos olhos que aventuravam-se a encará-lo. Foi em um dia assim que Deus criou o mundo, depois descansou e deixou o barco correr, com uma ou outra intromissão intermitente: dilúvios, mares se abrindo, interrupções no giro da Terra e Sodomas virando pó.

Jorginho despertou cedo, sem que lhe chamassem. Vestiu a melhor roupa, típica dos dias de descanso com direito à missa. Calçou o melhor tênis. O hábito da reza passava longe daquela casa. Diziam, para fins estatísticos e justificativa social, que eram católicos – todos declaravam-se assim naquela época.

Ele ajeitou a pequena mochila com todos os apetrechos essenciais: calção de banho, toalha, xampu, escova de cabelo, duas camisetas que a mãe o ajudara a separar, sendo uma do seu time de paixão (hoje era dia de jogo e ele iria com o pai), um short e uma cueca limpos.

Correu ao banheiro. Aliviou a pequena bexiga. Fez careta no espelho. Lavou o rosto. Escovou os dentes. Penteou o cabelo e brincou: deixando-o para trás, para o lado e depois ao seu gosto. Fez mais careta.

- Vem tomar café, filho! Correu para a cozinha.
- Você está com fome?

Respondeu balançando a cabeça, com um largo sorriso nos lábios, já mordendo um naco gostoso de bolo.

- Come bem, filho. Não sei a que horas seu pai vai te dar comida. Se tiver fome, pede para comer, viu? Não fica esperando ele dar na boca que homem não presta atenção a essas coisas.

Aquelas pausas de domingo na maternidade cortavam-lhe o coração. A justiça determinou: domingos são do pai. Ela ficaria ali, sozinha. De manhã, pelo menos, cuidava da casa, das roupas, fazia faxina pesada e o dia corria rápido. Após o almoço batia a tristeza e as preocupações. Filho na mão de pai é uma desgraça: homens não ligam para nada. São desatentos e relaxados. Ainda mais se ele fosse com aquela, a outra, que agora era titular. Não, ela não sentia ciúmes. O que lhe dava era um aperto, uma saudade, uma sensação de que algo se perdeu no caminho. Uma lembrança tonta, de uma felicidade que nunca foi.

Jorginho acabou o café:

- Estou pronto, mãe. Está na hora, na hora. Liga para o pai, liga.

Ela não gostava de telefonar, mas ligou. Jorginho ali do lado, a mochila na mão. Toca, toca. Ninguém atende.

- Ele já deve ter saído, filho. Quer esperar lá fora?

Naquela cidade, naquele tempo, não havia tanto perigo. Menino na calçada queria dizer isso mesmo: menino na calçada e não sinal de perigo. Os corações eram menos aflitos, as pessoas menos ansiosas, a vida tinha cara e jeito de que fazia sentido.

Jorginho sentado ao meio-fio. A rua era larga, muito larga. Um carro ou outro desciam em marcha lenta, pausada, com a preguiça boa dos domingos. O coração do menino estava disparado. Na sombra de uma árvore, que o próprio pai plantara, ele esticava o pescoço em estado de vigília. Os minutos correm. Ela telefona de novo. Tenta, tenta. Olha as horas. Jorginho espera. Cada motor que escuta lhe traz um sorriso. Cada decepção aumenta-lhe a angústia.

- Liga de novo para ele, mãe.
- Já liguei, já liguei. Estou tentando.

Ela, aflita pela decepção do filho, fica ouvindo o tom-tom irritante e interminável. Sem desviar o olhar da calçada, a porta da rua aberta, faz como pode a limpeza. As horas avançam e o relógio crava 11 horas. Ela, torturando o avental com as mãos tensas, aproxima-se do filho:

- Acho que ele não vem meu bem. Algo deve ter dado errado.

Os olhos miúdos de Jorginho converteram-se em lágrimas. Não deixou que brotassem ou escorressem. Suspirou. Apertou ao peito a mochila. Engoliu uma saliva grossa. Criou coragem.

- Só mais um pouco, mãe. Só mais um pouco.

Ela, em passos miúdos, volta para o interior da casinha de vila. Jorginho estica o pescoço em direção à esquina. Escuta o ronco de um motor. Um carro passa direto. Ele continua olhando, esperando, comprimindo os lábios e os olhos para não verter lágrimas, que de forma alguma combinam com o domingo de sol...