141 - FAZENDA PALESTINA...
Em nossas andanças por estes rios brasileiros, tem sempre aqueles lugares cujos acontecidos perpetuam em nossas mentes, tal qual brasas vivas que estão sempre a se mostrar ao menor assopro da saudade, chegou ao nosso conhecimento que havia um bom lugar para se pescar piaparas e dourados, um lugar pouco explorado e pouco povoado.
Depois de uma longa e penosa viagem chegamos à Fazenda Palestina, situada nas barrancas do Rio São Francisco, mas precisamente no Município de Buritizeiros, no estado de Minas Gerais, e fomos prontamente recepcionados pelo senhor Joaquim Baiano e mais alguns capiaus que moravam em um pequeno vilarejo denominado Sambaiba, localizado dentro da referida fazenda.
Acampamos na sombra de uma imensa mangueira, que aos montes foram plantadas margeando boa parte do rio. E assim passaram alguns dias quando em uma noite, num repente, chegou ao nosso acampamento o proprietário da fazenda, e ele estava na sua camioneta Chevrolet, uma D-10, acompanhado de vários capangas. Tratava de um homem sistemático, um tanto carrancudo, o seu chapéu tinha as abas caidas o que lhe dava um ar sombrio e misterioso. Mas logo logo se serviram da nossa boa cachaça, destramelaram a língua e se puseram a contar causos, contou ele que:
- Hoje sou proprietário desta fazenda, mas um dia fui peão do antigo dono, trabalhava no sol a sol, era novo, um rapazote de dezoito anos, cabeça cheia de sonhos, e entre estes sonhos um se destacava bem arriba de todos, sonhava com a filha do patrão, e era pra ela os meus olhos, a minha dedicação, os meus suspiros e as minhas noites mal dormidas.
Sentia que a moça também se interessava por mim, velados sorrisos, doces olhares, e ela sempre arrumava uma desculpa qualquer para de mim se aproximar, e aquele amor foi crescendo a olhos vistos, tão vistos que alguém me delatou ao patrão, chamado fui à sede da fazenda, acertaram as minhas contas da maneira que bem entenderam e quiseram e me dispensaram.
Sem eira nem beira, sem um rumo norteador, fui subindo o rio, barranqueiro, trabalhando em algumas fazendas em troca da comida, mas sempre seguindo em frente como se o destino me mandasse, me guiasse, olhava pra grandes esperanças, da moça eu não conseguia esquecer, e em meio a tantas dificuldades e sofrimentos, desesperado, entre lágrimas eu jurei, mas jurei por todos os santos que um dia voltaria e compraria esta fazenda Palestina, e me casaria com aquela moça que nunca desgrudara dos meus sonhos.
Foi quando me vi na embocadura do rio Abaeté, e tive noticias do garimpo de diamantes em seu percurso, aquilo me animou, nunca tinha sido garimpeiro, mas me prontifiquei a aprender aquele duro e estafante ofício na esperança maior de encontrar um veio de diamantes para que assim eu pudesse o meu sonho realizar.
E aos trancos e barrancos fui aprendendo aquele sofrido ofício de garimpar, no começo trabalhando para terceiros, depois trabalhando sozinho, das vezes quando pensava em desistir, como num encanto eu sempre achava um pequeno diamante, que vendido me sustentava por mais uma temporada, mais uma temporada de árduo trabalho e terríveis sofrimentos, tão terríveis que quase enlouqueci, chegava a enxergar diamantes em tudo e qualquer cascalho.
As noites eram longas, mas quando enluarada eu ficava a imaginar aquela moça, o meu amor a brincar comigo, era o que me mantinha vivo, as imagens dela eram tal qual um bálsamo nas minhas chagas e feridas, olhava aquelas águas que partiam, e eu falava sozinho, falava com as águas que partiam, que levassem noticias minhas a minha amada, que ela me esperasse, que ela me aguardasse, que tivesse paciência, pois eu iria vencer, sonhava com os diamantes, imaginava encontrando-os, vendendo-os, e por fim adquirindo a tão sonhada fazenda e conquistando para sempre aquela moça que morava ternamente em meus sonhos.
E os anos foram se passando e também foram passando as minhas esperanças, mesmo assim todas as noites, recolhido no meu casebre, aquela moça vinha brincar nos meus sonhos, me sentia feliz, reconfortava-me, dava-me novas energias, me agigantava para o duro e desgastante ofício de garimpar.
Quando já estava desistindo de tudo, o garimpo não me mostrava a sorte, eis que num acontecimento inesperado quando todos os sonhos já estavam murchos, quando todas as esperanças estavam perdidas, olhando furtivamente, sem ânimo algum por sobre o cascalho, como no sonho eu vi os diamantes, não acreditava no que via, me recusava a crer, eu devia estar sonhando, estava delirando, mas a realidade sorria pra mim, finalmente encontrei os tão procurados diamantes, foi a minha redenção, foi a minha glória, fiz fortuna, fiz dinheiro, e foi assim que consegui comprar esta fazenda, a Fazenda Palestina, mas já se tinham passado dez anos e aquela moça não esperou pela minha volta, não teve a paciência da espera, tinha com outro se casado e para o desconhecido se mudado, e pensar que ela tinha jurado, que acontecesse o que acontecesse ela me esperaria por toda a sua vida, quis a sorte que o meu sonho não fosse completo, que o melhor que esperava que acontecesse, não aconteceu, então eu sigo o meu destino e assim vou terminar os meus dias, solteiro, sozinho, mas seja lá o que Deus quiser, nas noites enluaradas dela eu ainda me lembro, sinto saudades, e ela vem caminhar comigo nos meus sonhos, mas somente nos sonhos, pois a realidade é por demais desoladora.
- Amigo! Me de mais um gole desta cachaça, que hoje eu me sinto só, hoje estou com saudades dela!
Ele voltou outras vezes ao nosso acampamento, mas nunca mais tocou no assunto daquela moça, nem nós ousamos fazer perguntas, tocar naquele assunto parecia avivar grandes feridas em sua alma, aquela moça que o fizera sair pelo mundo, sofrer, garimpar, sonhar, aquela moça que caminhara ao seu lado em noites enluaradas, que tanto abraçara, que tanto beijara nos sonhos, mas que apesar dos pesares lhe devia grandes favores, pois graças a ela foi que ele conseguiu encontrar os diamantes e comprar a fazenda, mas ainda hoje as lembranças dela alegram e ao mesmo tempo ferem profundamente o seu coração.