Um carnaval histórico
Os gritos esganiçados colados na alta música do trio elétrico que passava na orla de Ipanema e o lixo acumulado pela calçada e pela areia demonstravam que enfim o último dia de carnaval estava se passando. Era quarta-feira de cinzas e Robson precisava voltar a trabalhar na quinta, mesmo não estando muito animado nem sóbrio.
Robson estava numa situação desoladora e cômica: trajava uma minissaia jeans, um top laranja com enchimento, um salto alto prateado e uma peruca roxa, segurando sua terceira garrafa de Smirnoff 998 mililitros, ainda pela metade. Ele adorava a festa carnavalesca e possuía um sonho: um dia se vestir de Napoleão Bonaparte, ícone da história francesa que o instigara a gostar da disciplina e o inspirara a realizar o vestibular e entrar para o curso da ciência humana na UFRJ - mas Robson achava que se vestir de mulher era muito mais vibrante para passar o feriado.
Já passava das dez da noite e Robson ia cambaleando para o ponto de ônibus, pois tinha, enfim, que voltar para sua casa, em Deodoro. Quando sua condução chegou, ele gritou loucamente para o motorista parar, enquanto acenava com sua quinta garrafa de Smirnoff vazia e entrou se arrastando pela porta da frente do ônibus - o que obrigou o motorista a fazê-lo sair do meio de transporte e entrar pela porta correta. Após muito tempo na condução, quase caindo do banco, ainda vestido como mulher, Robson olhou para o lado e assustou-se ao observar a imponente figura de Napoleão Bonaparte, fitando-o.
A primeira reação do ébrio personagem desta narrativa ao ver seu ídolo ali do seu lado foi gritar longa e altissonantemente: "Uhul!", atitude que não modificou em nada a expressão sisuda do Imperador já há muito destronado e falecido. Então, com um pouco de dificuldade em se manter ereto para falar com uma figura de tal importância, Robson balbuciou algo como: "O que está fazendo aqui?" e Napoleão respondeu, em português com sotaque francês: "Vim realizar todos os seus sonhos!". E, mesmo diante de tal afirmação, Robson sentiu-se à vontade e conversou com Napoleão acerca do andamento de sua expansão territorial na Europa, como se estivessem em pleno século XIX. Napoleão conversava com pompa e elegância e ouvia atentamente o que Robson lhe falava, mesmo sem entender a maior parte das palavras proferidas pelo bêbado. A viagem foi um tanto mais longa do que deveria ser, mas nada do que se passou foi exatamente lembrado por Robson no outro dia.
O estudante amanheceu num quarto inteiramente desconhecido e ao lado de um homem de feições nada familiares: ele dormira com Napoleão. O estudante possuía fúria suficiente para bater no homem, porém, a dor na cabeça e a tontura que o acometiam o deixavam atordoado diante da situação; Robson levantou-se, pegou o salto prateado de sua irmã, vestiu sua saia, pegou o top e nem mesmo se lembrou da peruca que largara no ônibus, na noite anterior. Ele saiu sem nem mesmo olhar duas vezes para a cama onde dormira, porém, com a fúria na qual o jovem se levantara, Napoleão, despido de suas vestes, acordara de seu sono profundo e começara a gritar, vendo-o sair:
-Mon chéri! Volte já aqui que quero repetir a posição em que eu perdi a guerra!
*As personagens, lugares e situações citados são incluídos numa ficção, sem qualquer relação com a realidade.