O GENIO DO ABORTO E A VOLTA DO BEBÊ(4º CAPITULO)

Era o quarto dia após a morte de Antero, amanheceu um dia lindo e ensolarado, chegara o momento de Manoela partir, pairava no vazio daquele casarão uma tristeza mórbida deixando profundamente angustiados os corações das duas amigas. Manoela colocou as malas na carruagem, que já estava preparada para a partida do casal. Irrequietos os animais sapateavam contidos pelas rédeas amarradas na grade da carruagem. Estendendo sua mão direita para Laura, o coronel fez seu ultimo apelo: -- comadre Laura esqueça a mágoa, me perdoa e vamos com a gente, estou preocupado em deixá-la aqui sozinha! – Não vou ficar aqui sozinha, Deus está comigo e tenho muitos amigos com você deve ter notado a única coisa que lhe peço; é sua permissão para eu residir aqui até me ajeitar, pretendo ser breve e entregarei sua propriedade o mais Rápido possível. -- Esta propriedade não me interessa você pode usá-la como queira e o quanto queira da forma que melhor entender. – Então estamos combinados, mas saiba que um dia a terá de volta.

Emocionada Manoela abraçou sua miga e recomendou; --olha não se esqueça do que lhe falei traga Rosa com o marido para lhe fazer companhia dê ao casal condições de trabalho cultivando estas terras incultas que estão sobrando por ai afora! –Tudo bem, seguirei seu conselho! Manoela subiu na carruagem amparada pela mão do marido, que deu meia volta passou pela porteira e partiram na direção de Rancharia. Laura fechou a porteira e voltou a casa, debruçada na janela, daquela sala vazia, ela acompanhou com o olhar a diligencia desaparecer ao longo da estrada levando sua maior amiga, e também o algoz causador de seu sofrimento.

Tão logo o coronel partiu, Rosa e o marido adentraram a casa levando de volta o bebê Luizinho. –Dona Laura esteve pensando que tal adotarmos nosso afilhado? – E o que tu achas se eu adotar um casal de amigos padrinhos de o meu neto? –Como assim dona Laura? – Também estive pesando, minha família, irmãos e cunhados estão espalhados neste sertão nem sei por onde ando, eu sozinha com este Bebê nesse casarão enorme, muitas terras que podem ser cultivadas, se Pedro vosso marido concordar venham morar comigo, ele poderá até fazer seu pé de meia, nestas terras daquele maldito coronel. Apesar do mal que me aprontou, estas terras aqui não lhe fás diferença e ele as liberou, dando-me poder para fazer o que eu bem querer com elas!—Fala séria dona Laura? – Acaso o amigo já me viu com brincadeiras de mau gosto?—Não, mas isso é bom demais pra ser verdade estou precisando trabalhar por minha conta própria, cansei de viver só de emprego que pouco rende!

Naquele mesmo dia os amigos Pedro e Rosa buscaram seus pertences indo residir na casa grande junta à viúva Laura e seu adorável neto. O tempo passava, e aos poucos Laura se acostumando com a rotina do trabalho, única forma de amenizar a saudade dos seus entes queridos. Pedro muito trabalhador e eficiente na lavoura melhorou de vida e como não tivera filhos, se sentia realizado com o seu afilhado que começava a descobrir o mundo e cada dia os surpreendiam com suas peraltices.

Um político muito influente havia adquirido uma grande propriedade na divisa com a fazenda Barro Branca, e logo pleiteou a construção de uma ferrovia passando por cruzilhas, ponto estratégico para uma estação. Este fator deixou os sertanejos eufóricos com a expectativa de progresso na região com a possibilidade do escoamento da sua produção pela via férrea.

Acometido pela malária o deputado viu a morte de muito perto, longe de recursos com aquelas estradas mal acabadas, recorreu a Laura através de um empregado que a conduziu até sua fazenda. O homem estava de fato quase morrendo, mas a charlatã sertaneja e suas ervas o curou. Caiu em sua graça para nunca mais ser esquecida. Com promessa de lhe fazer uma visita o deputado quis remunerá-la pelo tratamento ela recusou, ele insistiu. – Doutor tem curado tanta gente nesse sertão nunca recebi um vintém por isso! – Faço questão veja o que pedires terá não fosse você estaria eu enterrado a essa altura!-- já que insiste pagar pelos meus serviços, faça o seguinte providencie um mestre escola para ensinar essa gente a ler e escrever, mas não esqueça que mulher também é um ser humano. Mande alfabetizá-las em igualdades aos homens! —Parabéns dona Laura por se preocupar com o bem comum, com certeza, seu pedido é uma ordem, Cidadania é isso ai uma sertaneja preocupada com a coletividade. —Sertaneja e analfabeta, doutor, diga se de passagem!—Pode ser analfabeta das letras, mas culta e sábia em patriotismo e nas questões sociais--, podes ter certeza vou atender seu pedido e daqui a pouco saberá ler escrever também!—Eu uma velha na escola?—Porque não-, poderá você e toda essa velharada aprender sim!

Irradiando alegria Laura voltou a sua casa, com a boa noticia, afirmando que teria uma preocupação a menos se realmente a promessa se cumprisse. Já imaginou Rosa Luizinho aprendendo a ler e escrever aqui em cruzilhas! Deus te ouça dona Laura e que os anjos digam amem!

-A vida continuou e realmente o político cumpriu sua promessa construiu uma pequena sala e a equipou com o mínimo necessário, contratou um mestre escola na capital da província e deu ordem ao capataz o hospedando-o em sua fazenda. Em pouco tempo aqueles matutos sertanejos liderados por dona Laura estavam homenageando o político, deputado Saulo, oferecendo-lhe uma festinha ao diplomar os primeiros alfabetizados de cruzilhas. Nesta mesma ocasião mais uma boa noticia, em seu discurso, o deputado afirmou que em dois anos a estação ferroviária entraria em funcionamento, na comunidade.

O tempo corria não tão rápido como atualmente, e Luizinho crescia e encantava demonstrando grande inteligência. A obra da ferrovia chegou a cruzilhas e a estação estava sendo construída, conforme Saulo previu em apenas dois anos, mas seu objetivo era um porto fluvial do grande rio desaguando no mar cuja navegação intercambiava com o transporte marítimo, fator que consumiu mais um ano de trabalho alem da estação de cruzilhas, que a esta altura já atraia os matutos sertanejos procurando fixar residências nas imediações prevendo o progresso que com certeza traria as melhores condições de vida. Há exatos três anos decorridos da morte de Antero estava sendo inaugurada a ferrovia. Certoro não mais apareceu nem si quer tivera noticias de Cruzilhas tampouco de Laura em sua fazenda Barro Branco. Seu contato com a capital era por outra estrada independendo ao povoado.

Mensageiros foram espalhados pelo sertão levando convites para a inauguração da ferrovia, a todos os proprietários de terras latifundiários sitiantes, barranqueiros, posseiros, em fim extensivo a todo sertanejo. Era interesse do deputado pleiteando seu crescimento político. -- Grilado com a possibilidade de Certoro comparecer para a inauguração Pedro encheu de preocupação imaginando na possibilidade de perder seu investimento na fazenda com possibilidade do coronel resgatá-la. Uma vez que ela estava bem cuidada por ele, que mudou completamente sua estrutura física tornando--a produtiva em apenas três anos de trabalho. Laura o tranqüilizou; -- fique tranqüilo Pedro o potencial da fazenda Rancharia é incomparável, o Maximo que o coronel vai querer é construir aqui um depósito para armazenar a produção que será transportada de La até aqui, isto aqui meu amigo não é nada perto de sua Rancharia.

Laura se destacou nos estudos, sua convivência com a Ex-patroa Manoela servira-lhe de incentivo, ela sempre desejou ser tão culta como sua amiga. Tinha verdadeira admiração ao ver a patroa com um livro na mão em seus momentos dedicados a leitura. Uma vez alfabetizada começou a ler livros e mais livros cedidos pelo deputado Saulo com o qual mantinha uma sólida amizade desde o episódio de sua enfermidade curada por ela. Esse fator a fizera praticamente esquecer por completo seu linguajar caipira que todos usavam naturalmente. Seu aprendizado somado as leituras foi à grande diferença em sua vida, tornando-a uma mulher esclarecida com atitudes decisivas e civilizada em questões Sociais. Mudou completamente seu comportamento a tornado uma verdadeira dama.

Em fim chegou o tão sonhado dia da inauguração da ferrovia. Comitivas e mais comitivas chegavam a cruzilhas, os derredores do pequeno povoado foram tomados por uma diversidade de montarias, carroças, carruagens, tendas e barracas improvisadas. Todos com a grande expectativa de conhecer aquela tão comentada giringonsa que mudaria a vida daquela gente tão sofrida, que vivia mergulhado naquele mundão de matas virgens.

Logo pela manhã na fazenda Barro Branco, uma rica carruagem adentrou o curral, era seu proprietário que dali partira há exatos três anos. Pedro muito cordial abriu a porteira da recém reformada varanda donde no trágico dia do falecimento de Antero seu caixão fora construído. Certoro saltou da carruagem, deu a mão a Manuela que também desceu, Rosa e Pedro saudaram o casal quase ao mesmo tempo. Rosa tomou as malas nas mãos de Manoela – Deixe comigo senhora, seja bem vinda, e me acompanhe! Pedro cuidou do coronel, guardou a carruagem na varanda e desatrelou e tratou de empastar seus animais, enquanto isso o coronel observava detalhe por detalhe por detalhe daquele velho cenário cujas dependências todas muito bem cuidados notava-se ter passado por excelente reforma. – E ai coronel veio para a inauguração da ferrovia? –sim, já viajei algumas vezes no tal do trem de ferro, e confesso que a melhor coisa que o homem pode fazer foi esse invento, é maravilhoso encurta as distancias. Estas fazendas a partir de agora não estarão mais isoladas vai ter uma grande valorização. – Pedro gelou com a fala do coronel, encheu de preocupação imaginou mil coisas, prevendo a perda do emprego, a primeira coisa que passou pela cabeça foi o coronel exigir sua saída para se instalar perto da estação.

(Continua na próxima semana.)

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 25/12/2012
Reeditado em 29/01/2013
Código do texto: T4052797
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