Nada Pessoal

Zé saiu para caçar calangos, mas encontrou um urubuzinho ferido.

A pobre ave remexia-se no chão, asa machucada e bico pronto para se defender.

Com cuidado, Zé se acocorou e embrulhou o pássaro no alforje.

— Credo, Zé! Que bicho é esse? — Maria estava nervosa. Sem janta, crianças com fome e um carniceiro empoleirado na janela, também aguardando alimento.

Onde comiam quatro bocas, também podia um bico.

Um bebezinho, Zé cuidou bem do urubu, que se recuperou e voltou a voar. Como gratidão animal, o urubu sempre retornava à casa de Zé. E quando este saía para a caatinga, era secundado pela ave.

Numa manhã, Zé foi emboscado numa trilha; paga de uma rixa antiga. O urubu precipitou-se sobre o pistoleiro, atacando-o, e fê-lo fugir.

O pássaro posou, então, ao lado do amigo, que agonizava.

Grasnou com força, clamando por ajuda. Ninguém apareceu. Viu o sangue se esvaindo e o olhar embaciado do amigo, porém, sentiu o chamado da natureza. Timidamente, bicou o ferimento de Zé.

— Que isso? É assim que agradece o que fiz por você? — o moribundo murmurejou.

Mas a ave prosseguiu em seu instinto, com cada vez mais voracidade.

“Amigos, amigos. Negócios à parte”, o urubu pensou, enquanto os de sua espécie pousavam para refestelarem-se com seu banquete.