O CABOCLINHO CAÇADOR

O caboclinho era de pouca prosa, honesto sim mas muito acanhado, as vezes até contava alguns causos e façanhas mas para o pessoal do bairro e raramente ia ao povoado, vivia encolhido em seu mudinho perdido no imensidão do sertão encravado entre as montanhas e a caça e a pesca era praticada não como esporte, mas sim como meio de subsistência pois era dela que tirava o alimento do seu dia a dia.

Os apetrechos de caça e pesca eram dos mais rudimentares possíveis, a espingardinha de carregar pela boca, conhecida popularmente por rabo de cutia, era uma das ferramentas inseparáveis, tanto que na falta de pólvora e chumbo, as vezes nem esperava o sábado ou qualquer outro dia santo e lá ia ele para a vendinha do bairro com o firme propósito de adquirir tais produtos.

Acontece que naquele dia, pleno meio da semana, chegou na vendinha e deparou com as portas fechadas e foi informado por um morador das proximidades que o dono havia viajado e ficaria fora por quinze dias, assim não teve outro recurso senão ir até o povoado para a compra do que estava a faltar e como povoado ficava distante, resolveu perder mais um dia de serviço mas ir no outro dia saindo no cantar do galo e assim fez.

Chegando no povoado procurou logo a venda com o propósito de comprar seus apetrechos em falta e retornar logo para casa mas lá acabou topando com um velho amigo e compadre que após os rapas pés de costume resolveram tomar uma branquinha e conversa vai, cachaça vem, empolgado com algumas doses a mais no caco, até esqueceu da pressa e para rebater um causo interessante do compadre ele lascou o seu:

__ Puis óia cumpadi por incriver que pareça, eu tava indo caça uns nhabuzinho lá na paida do cumpadre Otaviano, pois falaro que ele havia acabado de coiê os mios i como sabia qui a roça do home era grande, dava pra mais de 30 braça de paiada intão resorvi apruveita a tardi pra arruma umas mistura pro armoço i tava eu ino dispreocupado da vida quando oiei num veio pé de ipê qui tinha dirrubado as foia pur causo do tempo do frio chegano, tava chein de pomba, pra mais de cem, foi intão qui mudei de ideia, coloquei mais porva na minha rabo de cutia, soqui bem e fui chegano divargarinho, quando deu a distancia boua ei mirei bem no meio do bando, apertei o gatio e dei uma balançada na arma pá isparrmá bem o chumbo i foi só pomba que derriço. Quando baxo a fumaça, fui correno cata as bicha, i pá incurta a istoria, sem mintira nenhuma, puis num é que matei noventa e nove pombas cum tiro só!

A essa altura o outro compadre também já alterado pela cachaça questiona o narrador do causo:

__ Oh Cumpadre, por que não completa as cem pombas duma veiz homi?

Os ouvinte do boteco que já formavam um pequena plateia atentos a prosa, caíram na gargalhada, menos o caboclinho que mantendo a calma e refazendo as forças, apenas justificou:

__ Oh Cumpadi, o sinhô mi cunheci bem, eu só lá homi de mi suja por causa duma pomba, siô.

Maciel de Lima
Enviado por Maciel de Lima em 11/09/2012
Reeditado em 11/09/2012
Código do texto: T3877307
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.