136 – O MARRUAIS E A FOLIA DE REIS!

Quando menino morava no triangulo mineiro, meu Pai no desbravar foi plantando cana de açúcar e naqueles cafundós não existiam escolas, assim sendo fui morar com meus avós paternos para aprender o b a ba, no final de cada ano e no mês de julho voltava pra casa, eram as férias escolares, neste ínterim o gado zebu avançava celeremente pela região, e pra não ficar pra trás, meu Pai comprou algumas cabeças de gado da raça Gir, neste lote de zebus chegou também um touro de pescoço alongado, cabeçudo, alongadas orelhas destacavam, um desarrumado perfil na certa descartado por criadores mais exigentes, e logo se revelou irrequieto, intratável, perigoso, traiçoeiro, ciumento, atacava a tudo que se aproximasse das suas vacas, e se chamava Marruais!

Fim de dezembro, todas as Folias de Reis alvoroçadas, aquele era um dia aguardado, um dia muito, mas muito especial, haveríamos de receber a visita de uma das mais afamadas folias de reis da região, a do fazendeiro Melanito, sol lá pelo meio dia, na distância já se ouvia a cantoria da folia de reis marchando pelo estradão, estradão que passava em meio a pastaria, território dominado pelo irascível Marruais, nossa casa era toda alpendrada e dela avistamos o perigo que aquele pessoal estava incorrendo, pois não muito longe deles o Marruais já mostrava sua insatisfação pela invasão de seus domínios chifrando cupinzeiros, chifrava os troncos de uma arvore chamada fruta de lobo, chifrava tudo o que estivesse na sua frente, com as patas dianteiras vigorosamente raspava a terra levantando nuvens de poeiras avermelhadas sinalizando que atacaria, a cantoria abafava os avisos do touro, e ninguém percebia o tamanho do perigo a que estavam expostos.

O estradão boiadeiro passava bem em frente à nossa casa, e o meu pai acompanhado de alguns empregados agora na estrada acenavam aos foliões mostrando o perigo, mas quanto mais os daqui acenavam mais alto os foliões respondiam, mais e mais o palhaço fazia malabarismos e piruetas, mais e mais o porta bandeira tremulava pelo céu um imenso pano multicolorido e nele sempre havia muitas notas de dinheiro caprichosamente amarradas, das vezes até imagens de santos e fotografias de pessoas socorridos nos milagres dos Santos Reis ali cuidadosamente estavam prendidas!

O desespero tomou conta da nossa gente, todos gritavam, urravam e apontavam o perigo, e os foliões julgando que tudo aquilo fazia parte de uma calorosa recepção mais e mais se esforçavam no canto, e a bandeira dos santos reis pelo alto mais e mais tremulava mostrando todo o seu colorido.

Aquilo era uma declaração de guerra assim entendeu o Marruais que cansou de chifrar cupinzeiros e avançou celeremente para atacar aqueles foliões e o ataque seria na retaguarda daquela tropa, e quanto mais os nossos daqui acenavam tentando mostrar o eminente ataque de um boi completamente ensandecido, mais os da folia acenavam, mais batiam os pandeiros, mais alto a sanfona tocava, mais alto gritavam na cantoria, e mais e mais o palhaço fazia as suas estripulias, que Deus proteja toda essa gente que alheia da sua fortuna cantam em seu louvor...

E numa daquelas estripulias, num rodopio maroto girando pra todos os lados o palhaço num repente avistou o touro que celeremente avançava com a cabeça abaixada tal qual um aríete derrubador de muralhas, como que não acreditasse no que estava vendo alevantou a sua máscara para melhor visualizar a situação, o medo foi tanto que ficou paralisado, estático tal aquelas crianças na brincadeira do como está fica, numa estátua petrificada se transformou por alguns segundos, foi quando um grito tão pavoroso, dilacerante, como se de um pesadelo acordasse estrondou os ares alertando a todos da desgraça abicada, entre tantos valentões ninguém ousou enfrentar o touro no braço e covardemente debandaram na direção duma lagoa que existia num baixio por onde passava um manso regato, no sertão o torto é escrito por linhas mais tortas ainda, tem sempre aquele que demora um pouco a mais para compreender o que esta acontecendo, o porta bandeira vacilou, bobeou, atrasou, e foi justamente contra ele que o touro avançou, no primeiro esbarrão o moço pra longe foi atirado, mas nem tudo estava perdido a bandeira enrolou na cara do touro e este aturdido dava pulos e cabeçadas a esmo, perdido o senso e a surpresa ele agora lutava pra desvencilhar daquele enrosco que em muito o cegava, foi o tempo necessário para que o porta bandeira desembestasse ribanceira abaixo sem nenhum relutar no lago se atirou encontrando com todos os seus amigos de infortúnio que nas funduras da lagoa apalpavam proteções, o Marruais por fim se livrando do enrosco da bandeira avançou sobre violas, sanfonas, pandeiros e quepes que naquela fuga amalucada pelo caminho foram abandonados, claramente de longe ouvia o Marruais tocando a sanfona, alias sapateando sobre a sanfona, ponteou na viola e no violão reduzido-os a gravetos, só não se deu bem com o pandeiro pois dele nenhum som conseguiu arrancar!

A fama do Marruais fez estrada, poucos ousavam passar pelos seus domínios, as folias de reis passavam ao largo como se a nossa terra fosse empesteada e amaldiçoada, das nossas prendas recusavam, e o estradão se fez solitário e habitado por sombras fugidias, meu Pai entristecido vendeu o touro da fama da maldade avantajada e eu nem sei se o dinheiro arrecadado pela venda foi o suficiente para recuperar tudo o que ele teve que desembolsar na compra de novos instrumentos musicais e uniformes para a Folia de Reis do senhor Melanito, mas de uma coisa eu tenho certeza, aquela foi a última folia de reis que nos visitou naquele final de ano!

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 10/09/2012
Reeditado em 16/09/2012
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