O ANJO DISFARÇADO DE MENDIGO

Há mais de meio século atrás, Deus mandou um anjo disfarçado de andarilho, peregrinar mendigando no Vale do Picão, testando se realmente há solidariedade, como consta nos anais da tradição desta terra da senhora do Bom Despacho. Aconteceu então que este anjo encontrou uma diversidade de pessoas cada qual com o seu cada qual. Alguns mais sovinas e pão duro, outros menos solidários ainda, muitos não lhe deram a menor importância, nem ao menos uma palavra dirigiram a ele. E olha que ele andou por aqui um bocado de anos. A fila que formou La na porta de entrada do céu não foi brincadeira. Deus teve até que solicitar do escalão da guarda celestial um contingente de anjos para organizar a confusão. O Arcanjo disse que enquanto seu colega Ca na terra não encontrasse um homem de coração puro de verdade ninguém entrava. Até padre tinha entre a multidão que se aglomerou na portaria. O tumulto só se desfez quando um lavrador aqui da região deste Vale foi chamado repentinamente lá pra cima.Se chamava Versol.

- Versol... Não sei era o apelido ou se sobrenome de um chefe de família aqui de minha terra. Parece estranho este nome, mas este homem salvou a si, e muitos conterrâneos que souberam de sua história e espelharem no seu exemplo de solidariedade e desapego aos bens materiais mudando a maneira de agir. Versol era lavrador tinha apenas a força física que Deus lhe deu para sustentar sua família. Lavrando a terra e trabalhando de sol a sol na enxada ganhado quase nada, ele colocava o pão de cada dia em sua casa. E foi assim nesta vida de bóia fria que saiu de casa pela manhã indo para o trabalho, caminhando mais de duas léguas até a lavoura, ao regressar a tardinha, moído pelo árduo trabalho e faminto, não pensava em mais nada a não ser num belo banho de bacia com o tradicional sabão preto feito da dicoada da cinza de palha de feijão, e no prato de comida que o esperava quentinho no canto do fogão a lenha. À beira da estrada sua casinha simples de poucos cômodos abrigava além da esposa e o casal de filhos, Deus em primeiro lugar, representado em quadro da sagrada família, era o que havia de maior valor dentre seus bens.

Já caia a noite e as silhuetas das arvores se confundiam com os poucos transeuntes, caminheiros, de ferramentas aos ombros vindos dos distantes trabalhos, que trafegavam pela estrada á porta de seu pobre casebre. Enquanto no quanto ele tomava seu banho. Alguém bateu à sua porta. –Oh de casa! Mariquinha sua esposa atendeu ao chamado, --boa noite meu senhor! –Senhora, estou viajando e faz um tempo que não me alimento, teria a senhora qualquer coisa que me fizesse à caridade para que eu possa amenizar minha fome? Uma banana madura ou mesmo um naco de rapadura estaria ótimo. De dentro da bacia em seu banho Versol ouviu a conversa e disse: --Da pra ele meu prato de comida Mariquinha! -Mas e tu home o que vai cumê? Não tem nenhuma sobra! – Como qualquer coisa mais tarde, não uviu El dizê qui ta o dia todo sem cumida, dispois me arranjo, um ovo com farinha pra mim chega, ta bão dimais.

O caminheiro fez a refeição, e disse: --muito breve o senhor vai ter sua recompensa! -- Senhor nem imagina como Deus devolve tão rápido as coisas que toma emprestadas de quem tem bom coração. Agora posso caminhar mais tranqüilo matei o que estava me matando. – Qui pena, sintu num tê jeito de dá pôso pu sinhô ma taveno meu rancho é piqueno pudimais! – Não se preocupe eu me arranjo numa latada qualquer o mais importante o senhor já me fez! Deus vai abençoar sua família--, ela terá sua proteção sempre! --O andarilho se foi, Versol comeu um ovo com farinha e comentou:- - cunversa istranha aquelome tem prosa de gente sabido num parece quem anda pumundo não!

Poucos dias após Versol faleceu subitamente, um choque para a família. Mariquinha inconformada, não fazia outra coisa a não ser chorar, até que teve uma visão, numa noite em sonho ele veio lhe confortar, dizendo a ela que aquele prato de comida o havia colocado pertinho de Deus, e que dissesse aos amigos e familiares que nunca deixassem de praticar a caridade.

E assim se cumpriu esta segunda parte do meu conto, um fato verídico ocorrido aqui no Vale do Picão.

E concluindo minha criação fictícia da primeira parte; --quando Versol chegou à porta do céu, a fila de falecidos aqui do Vale Picão tava tão grande que já dobrava a esquina passando pertinho da porta do inferno, a multidão sem saber o motivo certo, e porque o Arcanjo Gabriel não liberava a entrada. O anjo andarilho o tomou pela mão La no final da fila e o conduziu pra junto de Deus. O pessoal que estava na expectativa de salvação teve uma variedade de penitencias a ser cumprida La pelo purgatório, só assim puderam ver a luz de Deus mais de perto.

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 16/07/2012
Reeditado em 30/08/2020
Código do texto: T3780302
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