O doce da alegria
Pascoal era filho de dona Gertrudes, era um rapaz atlético, do tipo saradão, e o terror das meninas da cidade, dizem que já tinha vários filhos espalhados por aí tamanho era seu apetite e sua disposição. As mulheres sonhavam com ele e os homens invejavam a sua virilidade.
Muitos acreditavam que seu poder residia em umas misturas que um conhecido seu do Pará, Miguelino, trazia do Norte.
Pois bem, acontece que eram vizinhos de dona Gertrudes um casal, dona Cleonice e Seu Joaquim, os dois já com alguns bons anos nas costas viviam a aposentadoria apenas lembrando os bons tempos passados e cuidando dos netos. Na verdade, apesar de ainda se amarem muito, dava para ver que faltava um temperinho a mais no casamento dos dois, pois eles já não mostravam mais a alegria e a disposição de outros tempos.
Acontece que um dos pratos preferidos de Seu Joaquim era arroz-doce com bastante canela, uma das únicas coisas que ainda lhe dava prazer, e dona Cleonice era uma doceira de primeira. Certa semana, vendo que Joaquim estava desanimado, dona Cleonice resolveu surpreender o marido e fez um dos melhores pratos de arroz-doce que já tinha preparado. Mas infelizmente ela se deu conta de uma coisa:
- Eitá, num é que acabou a canela?- disse ela pra si mesma.
Nem canela em pau tinha pra torrar. O jeito era procurar com a vizinha, dona Gertrudes.
- Dona Gertrudes! Ô dona Gertrudes! – gritou ela da cerca para a vizinha.
- Oi dona Cleonice - respondeu a vizinha – cume quê a sinhora tá?
- Vô muito bem com a graça de Deus? E a sinhora, cume quê tá a coluna?
A conversa se estendeu por um bom tempo, e quando todo o assunto já estava em dia dona Cleonice finalmente pediu:
-Oiá dona Gertrudes, eu fiz um roz doce pro Joaquim, mas ieu tô sem canela, a sinhora num teria um pouco pra mi arruma não?
- Mas é claro qui tem sô, deixe ieu busca.
Dona Gertrudes entrou em casa, mexe daqui, mexe dali, mas não encontrava a canela que tinha certeza que tinha.
“Uai, ieu sei qui tem. Será qui o Pascoal pego pra misturar nas vitamina dele?” Lembrou ela, já que o filho fazia umas batidas esquisitas para beber. E não deu outra, ela foi até as coisas de Pascoal e lá estava o pote de “canela”.
Dona Gertrudes pegou o pote inteiro e levou para sua vizinha.
- É muito dona Gertrudes, depois eu devolvo o resto.
- Carece não dona Cleonice, fica cum tudo, serve pra paga aquele açúcar qui eu pequei cum a sinhora outro dia.
As duas vizinhas se despediram, dona Gertrudes voltou para casa e dona Cleonice foi polvilhar a “canela” no doce.
- Muié, esse doce tá bão, mais essa canela tá isquisita – falou seu Joaquim mais tarde enquanto provava o doce.
- Pois é, foi a dona Gertrudes qui mi arrumo, inté ieu achei istranha, mais num tinha otra então usei essa merma.
- Mais inté qui tá bão – sorria Joaquim satisfeito.
Enquanto isso dona Gertrudes achou outro pote de canela em casa:
- Oiá só, ieu sabia que tinha, vô coloca nas coisa do Pascoal - e ela o deixou em substituição ao que havia pego nas coisas de seu filho.
Aquela noite uma mudança aconteceu. Uma barulheira de madeira ranchendo era ouvida da casa de seu Joaquim e dona Cleonice, quem passasse perto poderia ouvir alguns gemidos e suspiros, parecia que um casal de recém casados estava em meio as suas núpcias.
No dia seguinte quem olhasse para seu Joaquim e para dona Cleonice via só felicidade, os dois não escondiam a alegria e trocavam beijinhos e carícias o tempo todo, como um jovem casal de namorados.
Curiosos com tudo aquilo o povo logo quis saber o motivo e seu Joaquim dizia que era o arroz-doce de sua mulher, feito com amor e carinho. Logo apareceu gente querendo provar do tal doce e a alegria se espalhou na região. O doce de dona Cleonice ficou famoso.
Entretanto Pascoal ia perdendo a fama de pegador, não tinha como concorrer mais agora que todos os homens na cidade estavam tão viris quanto ele.
- Pois é mãe, nunca mais compro aquela mistura do Miguelino, eu agora vou é provar do doce da dona Cleonice – confessou ele para a mãe.
Dona Gertrudes que não era boba entendeu tudo e passou ela mesma a comprar a tal mistura de Miguelino, que ela a princípio achou que fosse canela, e propôs sociedade com dona Cleonice. Assim dona Cleonice garantiu sua alegria e a do marido e dona Gertrudes conseguiu um bom complemento para a aposentadoria com a venda do doce da alegria.
E quem passasse por aquelas bandas se surpreendia com a alegria e vitalidade do povo e também com o número de crianças que nascia a cada dia, tudo culpa de um arroz-doce com “canela”.