CONSELHO DE AMIGO

Contam os mais idosos, passando de geração em geração, que, numa certa cidadezinha , dos confins das Minas Gerais, existia um senhor muito trabalhador e esperto. Ele era admirado por todos, principalmente pelo santo padre do lugar, qual dizia ter este senhor recebido de Deus dotes sobre-humanos de sabedoria, de destreza e de habilidade em seus ofícios. Sim, em seus ofícios, pois o senhor já agraciado com seus 65 anos de vida, ainda se permitia a fazer de tudo, desde um simples reparo, até ao mais complicado. Dizem que ele era mecânico de motores hidráulicos, pedreiro, carpinteiro, jardineiro, eletricista, serralheiro, pintor e outros ofícios. Sempre disposto e munido de todos os tipos de ferramentas, este senhor, conhecido por todos pelo nome de José Ribeiro e que passou a ser chamado de “Zé ligeiro”, e, depois, precisamente de “Zé ligeirinho”, não deixava de atender as chamadas de seus clientes, fosse dia ou noite; fosse para um pequeno ou grande reparo ou qualquer projeto para ser estudado, idealizado e/ou realizado.

O certo é que o seu “Zé ligeirinho” entendia de tudo e a prova disso jazia-se na torre da igreja, quando ele eletrificou-lhe os sinos diminuindo o trabalho de um velho sacristão de subir e descer na torre, para anunciar missas, festejos religiosos e enterros cristãos. O sacristão rezava pela vida de “Zé ligeirinho” todas as vezes, que em vez de subir na velha torre da igreja, ele apenas apertava um botão e a cidade inteira escutava o repicar dos velhos e atualizados sinos... Esta invenção de fazer sinos tocarem com um apertar de botão deixou o “Zé ligeirinho” não apenas famoso na cidade, mas também em toda a região...

“Zé ligeirinho” acordava cedo, tomava o seu café tranquilamente, pegava um bloco de anotações e observava nele as chamadas registradas de seus clientes. Ele observava os endereços de seus clientes e tecia na mente um enorme mapa da cidade, conforme onde cada um morava para que ele pudesse atender pela manhã e pela tarde. Sua ligeireja impressionava a todos e é sobre este motivo que se deu o seguinte relato...

Dona Antônia, uma certa moradeira da pequena cidadezinha dos confins de Minas Gerais, onde morava “Zé ligeirinho”, todos os dias reclamava ao marido sobre um de seus graves descuidos. O telhado da sala estava todo furado, a ponto de qualquer dia chover e as goteiras inundar a casa. O marido, o senhor Miguel, não dava ouvidos para a dona Antônia, apenas dizia.

- Nesta região chuva não é de se esperar, mulher! Deixe de tolices , preocupe com coisas mais importantes...

Dona Antônia, porém, retrucava.

- Vai que a chuva caia de repente. Antes que ela venha é preciso contratar o serviço de Zé ligeirinho. Dizem que num piscar de olhos, ele arruma todo o telhado de uma casa...

- Nunca ouvi falar que serviço rápido prestasse...

- Está falando mal de Zé ligeirinho, é? Ande por toda a cidade e descubra se há outro melhor do que ele...

- Só porque ele eletrificou os sinos velhos da igreja, todo mundo diz que ele é o melhor!

- E é! É e é!

Certo dia, o senhor Miguel querendo ver-se livre dos queixumes da mulher, ele propôs acordar cedo e procurar o Zé ligeirinho para contratá-lo para o serviço do telhado. Ele pegou o chapéu, colocou-o na cabeça e saiu de casa apressado. Dona Antônia ao ver o marido sair para tomar a devida providência fez o sinal da cruz aliviada e ficou a tecer solilóquios.

- Até que enfim convenci o Miguel a contratar a pessoa certa para arrumar ou refazer esse telhado...

Dona Antônia olha para o telhado e sorri.

- Mais parece uma peneira grande...

O senhor Miguel saiu a passos rápidos pela rua, consultou o relógio e pressentiu que ainda estava um pouco cedo. Pensou. “vou fazer uma paradinha no barzinho do Bertoldo...” Dirigiu-se ao barzinho do Bertoldo, cumprimentou a todos ali presentes, encostou-se no balcão e pediu logo uma “branquinha”, depois um conhaque com xarope de pequi e, como ainda não bastasse um licor de pequi... E dizem que ele foi ficando por lá, esquecendo do telhado, da contratação de Zé ligeirinho e das tantas recomendações da esposa. Ele encheu todo o dia de prosas, de bebidas e porções de torresmos, para ele e para os convivas. Somente tardinha, quando o sol estava para se despedir é que ele se lembrou de sua obrigação.

- Meu Deus, cá passei e cá fiquei... vou ganhar bronca da minha dona... e o Zé ligeirinho, eu teria de ser mais ligeiro do que ele...

O senhor Miguel apressou em acertar a conta com o Bertoldo. Ele verificou os gastos, colocou três cédulas vermelhas em cima do balcão e quando ia saindo do barzinho, chegava ali, ninguém mais, além do Zé ligeirinho. Dizem que o Miguel assustou e depois sorriu ao topar de frente com o Zé ligeirinho. Ele bateu firme um dos pés no pé no chão e disse.

- Homem de Deus, o senhor não morre tão cedo. Não é que eu estava cá, pensando no senhor?

Zé ligeirinho além de não ser de muita conversa, não estranhou o discurso do senhor Miguel. Ele apenas sorriu e respondeu.

Shicko Rodrigues
Enviado por Shicko Rodrigues em 22/04/2012
Reeditado em 25/04/2012
Código do texto: T3626367