O CUMPRADE MOROSO E O DEPUTADO
E foi lá nos cafundó das Minas Gerais. O cara virou deputado estadual, Federal e depois Senador. Ainda vereador comprou a herança de sua família que nada mais era que uma grande fazenda. Depois, em cada mandato foi comprando a vizinhança até sua fazenda virar um grande latifúndio onde criava cavalos de raça para lavar seu dinheiro sujo.
Só que no meio daquela imensidão de terras tinha um caboclo, daqueles bem antigos que não vendia seu pequeno sítio por preço nenhum. Foram infinitas as investidas do deputado. Começou com uma oferta no valor real até oferecer dez vezes mais no sítio do Zé Moroso. O cabra respondia para os corretores que se tivesse precisando de dinheiro venderia seu pangaré, mas as terras jamais!
E aquele casebre bem no meio de sua criação de cavalos incomodava o deputado. Como sabia que o cabra tomava umas cachaças e morava sozinho, fez vir lá da capital uma meretriz de corpo escultural e também malandra na arte de tomar dinheiro dos outros. O deputado achava que endividando o Zé Moroso, o obrigaria a vender o sítio porque era um homem que se dizia honesto. Depois de duas semanas naquela vida “dura” a distinta foi clamar com o deputado:
- Faz duas semanas que durmo com a aquele Barnabé e não consegui arrancar uma prata daquele infeliz!
- O fez assinar umas promissórias?
- O desgraçado não sabe nem assinar!
- Volte lá com uma promissória e o mande colocar o dedo!
- Volto lá mais não. Mande seus capangas e me dá meu dinheiro dobrado porque nunca me “doei” tanto e preciso mesmo é sumir desse lugar horrendo!
O deputado estava ficando cada vez mais enfezado com aquele infeliz. Poderia mandar matá-lo, mas seria o primeiro suspeito porque toda a cidade sabia da teimosia do Zé Moroso. Então mandou seus capangas...
- Ô Sô Zé!!!
O Zé Moroso era daqueles descendentes de italianos que falava puxado. Os capangas o acharam tirando um bicho do pé no puro canivete.
- Quêeeê ceiiis quéeeé?
- Viemos a mando da moça para receber o dinheiro dela?
- Queee dinheirooo?
- Você não dormiu com ela seu infeliz?
- Oiaaa láaa cumooo falaaa!
- Mais se dormiu tem que pagar, é assim que funciona. Já dizia o chefe dos capangas.
- Maiiis fooi eeela queeem quiiis! Daaava intéeé uuuns risaaaadão! Diiiiz queee imbuuuuxoo e vaaai faalá quéeeeé do deeepuuutaado!
Desanimados com o Zé Moroso os capangas voltaram para a fazenda e relataram os fatos ao chefe que saiu completamente da linha. Fez um plano diabólico. Combinou com seus capangas que na semana da festa do santo na cidade não ficaria ninguém em sua fazenda. - Ninguém mesmo, dizia enfático. Falava para seus capangas que seu segurança, através de uma câmera vigiaria toda propriedade, inclusive baias e pastos onde viviam suas éguas de “milhões”. E o segurança esperou o Zé chegar embriagado montado em seu pangaré e forjou um incêndio através de uma bituca de cigarro que iria dizer que o Zé jogou perto do casebre onde morava. Só que o segurança, gente de cidade, não imaginaria um incêndio naquelas proporções devido a uma tremenda seca. O fogo queimou o casebre do Zé Moroso, todo seu pequeno pasto que dava guarita ao pangaré e duas vacas de meio litro de leite cada, e também a uma grande extensão de terra do famoso deputado.
No outro dia foi um grande fuzuê por aquelas bandas. Enquanto o Zé Moroso amarrava umas lascas de bambu para reconstituir seu rancho de sapé
apareceu o delegado:
- Vou ser obrigado a te prender Zé!
- Caaoooss deee queeee deleeeegaaadoo?
- Estão falando que foi você que colocou fogo no mundo.
- Cuuuumééé queeeeu vôõõ pôôô fooogooo niim miiim meeemo sôo?
- Mas como se salvou desse incêndio?
- Fuuuiii praaa caaasaa do deeeepuuutaadoo.
- Mas te aceitaram lá?
- Láaaaa nuuumm tiiinhaaa niiiinguééém!
- Mas como seu pangaré se salvou?
- Sooorteeeeii eeeleee naaaaa baiiiiaaa dooo deepuuuutaaado.
Sem saber o que fazer no momento, sem também ser dele a penalização por incêndios e também sabendo que tinha um dedo do deputado naquele incêndio resolveu deixar o Zé Amoroso cobrindo, de novo, seu rancho de sapé.
Resta lembrar alguns fatos que vão motivar o final do conto. O grande deputado tinha cinco éguas de primeiro escalão que estavam no cio. Só ainda não tinham sido inseminadas porque esperavam um sêmen “das Europa”, como se dizia por aquelas bandas.
Um ano depois, vendo todas suas tentativas de tomar as terras do Zé Moroso indo por água a baixo, o deputado desceu de seu pedestal, moveu um processo por perdas e danos e foi parar de frente ao juiz junto do Zé. Como a história ficou famosa, metade do lugarejo estava no pequeno Fórum da comarca.
E o juiz começou:
- O senhor jura seu Zé que vai falar somente a verdade?
- Juuuurooooo.
- O doutor deputado o acusa de colocar fogo em sua propriedade, é verdade?
- Miiinntiiiraaa!
- O doutor deputado o acusa de engravidar uma amiga dele, é verdade?
- Miiinntiiiraaa, fooooiii eeelaaa queee meee inngraaaviiiidooo!
- Hahahaha,.. Não entendi seu Zé....
- O douutôô jáááá duuurmiiiu cuuumaaa muuuiééé eee fiiicôô queeelaaa naa caaabeeeçaaa?
- Deixa isso para lá seu Zé... Zé Amoroso, isso mesmo?
- Mooorooosoo douutooor.
- Mas o deputado o está acusando de lhe dar um prejuízo de dez milhões e com isso o senhor tem que pagar.
- Paaagaaar ooo queee meeemooo?
- Dez milhões de reais porque seu pangaré enxertou as éguas dele.
- Maaaiiiis queee queeeu teeenhooo quiiissso?
- Fala no processo que o senhor soltou o pangaré junto com as éguas...
- Ahhhhh douuutooor meeereeeetíssiiiiimooo! Iiimaaaagiiiinaaa seee ooo meeereeetísssimoo fooossse aaa éeeguaaaa dooo deeeepuuuutaaadooo queee poooois fooogo nooo meeeu raaaanchooo?
- ...
- Eeee eeuu fooosseee ooo meeeu paaangaaaré?
- Não mude a conversa senhor Zé Moroso, estou te acusando de colocar aquele fogo com uma bituca de cigarro.
- Maaaaassss queeeem coooloocoou fooooi oo caaaapaangaa do deeepuuutaaado pooorqueeee eeeu nãããoo fuuuuumo.
- Mais então você tem que pagar a prenhes das éguas do deputado e se não pagar, terás que entregar as terras para pagar seu estrago.
- Maaas entããoo nóóóiiis vooortaaa naaa meeema meeereeetiiiississimo. Sô siiinhôôô fooosse aaa éééguaaaa dooo deeepuuutaaadooo e eeeeuuuu fooossesse ooo pannnngaaaaaré?
- Chega dessa baboseira, você paga ou entrega as terras e pronto! Está encerrada a sessão sem direito do senhor Zé Moroso recorrer!
- Reeecooorreeer cuuumooo ssee meeuu pannngaaaré jáááá feiiiiz o siiiiirviiiço? Antãããooo o deeepuuuutaaadoooo taaaméeem temmm queeee me paaagaaa prooquuue pooois fooogooo nooo meeeuuu rannnchoo, maaaatoooou miiiinhaaad vaaacaaad eee meeeuuuu pangaaaarééé deeepoooois queeee cooooorreeeeu aaaqueaaas éééguaaaa fiiicoooou aapaaaaixoooonaadooo proooquee nuumm coomeeee maaiiis eee tááá quaaaiiiis moortoo seeuu meeeree....
- Chega! Gritava furioso o possesso juiz vendo que a platéia estava dando razão ao pobre Zé Moroso. Vendo que até o deputado estava desanimado com a teimosia do Zé Moroso foi belo óbvio porque não tinha provas contra aquele infeliz sabendo-se que na realidade não tinha culpa no caso do pangaré e sabia que aquela mutreta da bituca de cigarro era arrumação do deputado. Encerrou o assunto da seguinte forma:
- Como no presente processo não tem provas contundentes sobre a tal bituca de cigarro e como o tal do pangaré só seguiu seus instintos naturais, vou adiar uma decisão até que o delegado arrume alguns fatos novos que nos possa definir com mais clareza os verdadeiros culpados na dita tragédia.
Carregado pelo povo como herói, o Zé Moroso ainda dizia:
- Iiisssquiiiciii deee faláá prooo doouuutô queeee seee eelee fooosseeee aaaa aaamiiiigaaa do deeepuuuutaaaadosssssiinnfeeeeernoooo eeeeleeee iiiiaaaa iiinnnteeendêêê miiiióooó....
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JOSÉ EDUARDO ANTUNES