O SACI PERERÊ

O lendário negro provavelmente já passara dos cem anos de idade, os poucos cabelos que ainda insistiam em permanecer em sua cabeça já estavam brancos como a neve e alem do mais, na redondeza tinha um ditado que dizia que o negro quando pinta, tem três vezes trinta mas verdade era que aquele homem sempre tinha uns causos bonitos para nos contar. Naquela tarde estávamos conversando a sombra de uma frondosa guaiuvira quando ele se aproximou sorrateiramente de nós, fazia muito calor aquele domingo e o sol estava muito quente para andarmos pelos campos da fazenda onde morávamos. A educação recebida de nossas pais era de respeito com a pessoa idosa por isso oferecemos o pequeno toco que servia de banco para que ele pudesse sentar e já o provoquemos para nos contar uma de suas estórias, o que parecia mesmo estar querendo fazer naquele momento, e depois de uma pequena pausa, com seu trejeito e linguajar bem roceiro, ele principia:

“Oia isminino, o véio preto aqui vai conta um causo qui eu sei qui oceis num vão bota fé, mais juro por Deus do céu e pur esta terra que um dia há de mi come qui é a mais pura verdade, puis num é qui quando eu era rapaiz ainda novo, havia casado a argum tempo mais as crianças era tudo mininadinha ainda menores que oceis, eu, a patroa e as criança fumo toca uma formação de café prum italiano qui morava numa terra muito longe daqui, chegano lá, déro pra nóis morá um ranchinho meio qui isolado da colônia da fazenda, isso inté que desocupasse uma casa miózinha na colônia, pra lá levemo nossos trem e fiquemo morano quase o ano intero inte desocupá a dita casa qui o patrão tinha prumetido. Puis num é que numa noite fria, eu tava sozinho im casa, a muié mais as crianças tinha ido numa reza de São Juão na sedi da fazenda e eu, apesar de sê batizado e tudo mais, era um caboclo pouco discrente i num gostava de í nessas rezas, só ia quando o padre vinha dizê missas, pois bem eu num ia mais tamém num proibia a muié de participá, mais cumo tava dizeno, tava sozinho, já era noitinha era méis de junho i fazia um frio danado, fui deita mais cedo qui de custume i quando já tava quase pegano no sono, iscuitei um baruio na porta de arquem entrano im casa, pensei que fosse muié que tinha vortado da reza, achei isquisito qui tava tudo muito silencioso, num iscuitei prosa das crianças, um silencio só, ninguem mais se adentrou, ela também não veio pru quarto, foi intão que pensei qui podia sê argum gato que veio roba toicinho dos varal, mi alevantei devagarzinho, pequei a lamparina que tava acessa na istronca do barraco e fui pé ante pé, não pruque tava com medo que isso foi coisa que o negro veio nunca sentiu em sua vida, mas queria memo era pega o gato ladrão de surpresa, mais quar o quê, quem ficô surpriendido memo fui eu, no que oiei pra cozinha, lá tava ele, sentado na taipa do fugão, já num tinha mais fogo mais o fugão tava quentinho, vi quando o danado tirou uma brasa dum tição e acendeu seu cachimbo de barro, teu um tragada, levantô um fumacero danado do cachimbo, daí, ele oiô pra mim, deu um sorriso maroto mostrando sua dentaria branca em contraste com o rosto negro que parecia inda mais iscuro pelo negrume da noite, mas não se assusto não, removeu um pouco da cinza do fundo o fogão, retiro uma batata doce que a muié havia deixado lá pra assá, comeu a dita cuja, depois deu mais uma chupada no cachimbo, uma gusparada no chão de terra batida e depois, satisfeito da vida, oiô pra mim di novo, pulou da taipa do fugão e com uma perna só saiu sartitano, passou pela porta como uma arma penada e depois ainda iscuitei o seu assobio que foi se afastando devagarzinho, devagarzinho... Fiquei ali parado como que ipinotizado pelo danado até qui a muié e as crianças chegaro da tar festa. Contei prela da visita qui tinha recebido naquela noite, ele me deu um baita dum pito e mi disse que num precisava di minti pur causa das batatas assada, se eu cumi elas num tinha importância puis era pra come memo mais qui num divia faze aquela bagunça a taipa do fugão ispaiano cinza pra tudo lado. Ela num aquerdito em mim, mais que naquela noite eu vi bem di pertinho o tar de saci pererê, ahhh, isso eu vi, vice.

E assim terminou o seu causo o velho Damião, um negro viúvo, afirmando categoricamente que naquela noite ficou frente a frente com um Saci Pererê e ninguém arredou pé e muito menos ousou questionar o bondoso velhinho que nos parecia tão convicto e sincero em sua narrativa.

Maciel de Lima
Enviado por Maciel de Lima em 03/09/2011
Código do texto: T3198619
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