DE  MÉDICOS  E   DE  LOUCOS_ PARTE    4
           "   O  POÇO  MÁGICO"


          Pensamento   mágico:  desde  criança   nos   utilizamos     deste   artifício    que  nos  ajuda  a   lidar  com  a   realidade. A  criança  muito  pequena,por  volta   de  1   ano   de idade, costuma  brincar  de  esconde-esconde   com  seus  pais  ou  aparentados, momentos  em  que  consegue  lidar  com  a   angústia   do   desaparecimento  destas  pessoas, responsáveis  por   sua  vida, e  que  onipontentemente  a  criança  pensa   controlar, fazendo-as  reaparecerem  quando  por   exemplo, as  observa  por detrás   de  uma  pilastra. Os   seres     ditos mais  primitivos   fazem  uso  corriqueiro   de  pensamentos   mágicos , à exemplo   dos  povos  indígenas,ao   cultuarem  elementos  da   natureza, causadores  segundo   o  mágico  pensamento, de  inundações, mortes, riqueza   na   agricultura, e  outros. Uma vez  saídos  da  infância, abandonamos   estes  artifícios para lidarmos   diretamente   com   realidade  utilizando -nos  dos  recursos   disponíveis   em  nossa  inteligência  e  experiência.
         Estava   eu   atendendo  uma  moça   chamada  Carmem  em  meu   consultório. Viera   acompanhada  por  sua irmã mais velha  e   sua  genitora. Ambas  permaneciam   de  pé   ao  seu  lado   enquanto Carmem  , sentada  e  cabisbaixa, nada  falava.
         Carmem,segundo  apurei    com  sua  família, havia  caído  num poço  e  tivera   lesões  neurológicas   que  a mantinham  com  sequelas  tais  como   afasia (  incapacidade  de  comunicar-se  verbalmente_ no  caso  era  uma afasia  total ),desorientação  tanto   em  relação   ao   meio   quanto  à  si  própria e  um  intenso  empobrecimento  afetivo, mantendo-se  alheia  à   tudo. Portanto, na   consulta  limitava-se  às  vezes  a  olhar-me prolongadamente  como    se  não   estivesse  entendendo   nada do  que lhe  falavamos.
           Sua mãe tentou   dizer   qualquer    coisa,  quando  subitamente   foi   interrompida  pela  irmã  da  paciente ,  dizendo:

           " _Mãe , para    com  isso. Não   faz  a  pergunta   prá  doutora...Deixa  prá lá..." 
            A mãe  , indignada  ,  tomou  a  palavra   dizendo:

          " _ Nada  disto, vou   perguntar    sim...que mal  há? Ó  doutora , minha  filha  caiu   num   poço  e ficou   assim. Disseram-me que  quando  uma  pessoa       cai   de  uma  ponte, por   exemplo, e  bate  a  cabeça, se  a   jogarmos  do  mesmo   ponto  da  ponte, essa  pessoa  retorna     ao  estado   original...Eu  pensei    que..." 
          Silêncio...Ouvi    aquilo   sem     acreditar  no    que vinha  depois...Ela  continuou...
          " Então  doutora,que acha    de  a  jogarmos no   poço   de  novo?" 

          Eu    estremeci: não   devia    ser   verdade  o   que acabara   de  ouvir...
            " _ Nem  pensem  numa  coisa  destas, disse-lhes_...Onde é   que  já  se  viu?". Percebi-me      gritando  num, misto   de   revolta   e  preocupação, tentando    demonstrar-lhes     o   absurdo  da  idéia.
          Passaram-se  umas  semanas   e no    retorno   à   sua  nova    consulta     Carmem  não apareceu, apenas   as   mesmas  senhoras. Perguntei-lhes  onde  estava   a  paciente. Ambas   se    entreolharam   e  balbuciando, disseram-me     que     ela  não   quisera  vir   por  estar   resfriada.
           Lembrei-me  do   poço ...Lembrei-me do  olhar  da  mãe   que   brilhara    feito   uma  cientista   frente  a  uma   grande    descoberta e  gelei...Teriam  feito   com   Carmem  a  tal    experiência de joga- la de novo dentro do poço? 
             Esse  pensamento  mágico   , que  me induzira   a  viajar  pelo  mesmo  caminho das   duas senhoras, finalmente  desapareceu  para  meu   alívio, quando   Carmem  voltou   vivinha  da   Silva  na próxima consulta...confusa  é  bem  verdade...mas viva...Como    se   saída  de   algum  poço  mágico...


                   MARCIA  TIGANI_  SETEMBRO   2011