BIOGRAFIA DE UM ROCEIRO COM O CHEIRO DO MATO

O tempo passa, e tudo se transforma, nós envelhecemos, mas a fantasia continua jovial acrescida por uma imensa saudade. Vez por outra pinta uma recordação e como um sonho mexe com a alma e o coração da gente. Sou um matuto de poucas letras sem curso superior, carrego o cheiro do mato impregnado no meu sentimento e tenho um grande amor pela natureza.
Nasci numa casinha humilde, paredes de pau a pique, amarradas de cipó e barreadas de chão batido. Plantada no cume de uma pequena colina de terra branca, cercada por dois córregos que logo abaixo se juntam em um só curso. Esta colina não muito íngreme, com pouca relevância geográfica, situada entre os dois cursos fluviais recebeu o nome de Ia, no linguajar caipira, quando o correto seria Ilha. Meu nascimento ocorreu graças às orações e a fé de minha avó materna.
Devido a complicações de saúde de minha mãe durante a gestação que me trouxera à vida, nasci subnutrido, salvei-me graças ao milagre, os cuidados, o carinho, e o amor de minha saudosa mãe.
Ali eu dei meus primeiros passos e tive as primeiras impressões da vida. As primeiras partituras musicais que me chegaram aos ouvidos foram regidas pela mãe natureza, um conjunto de acordes formado pelo canto dolente do carro de boi, e o gorjear de pássaros transportados pela brisa que viajava leve por entre as matas ciliares que protegiam os cursos d’águas que La existe, junto a esta sinfonia vinham os murmúrios das correntes cristalinas que rolaram entre as pedras, numa contínua canção de ninar.
Aspirando o perfume das flores silvestres e o cheiro dos campos cobertos de lírios multicores, encantavam-me as maravilhas da natureza desenhadas pela mão de Deus, sobre um tapete verdejante debaixo do manto azul do infinito. Ora banhado pelos raios do sol, ora cadenciado pelos encantos do luar-, ou até mesmo em plena escuridão quando o universo apresentava sua fantástica miríade com bilhões de estrelas cintilantes e encantadas. Um verdadeiro paraíso, meu mundo criança, aonde a terra com sua generosidade e alheia ao futuro que lhe aguardava, retribuía o trabalho penoso dos caboclos que a respeitava como verdadeiros discípulos, cultuando-a como um sagrado santuário. Tudo era mágico e na minha ingenuidade infantil a vida parecia um sonho infinitamente interminável
Assim junto aos irmãos que chegavam um a cada ano, vivenciamos nossa simplicidade artesanal, usando o algodão cru, os potes, as panelas de barro confeccionadas com a argila branca, as cabaças, os coités e os utensílios domésticos de madeira trabalhada-, calçando alpercatas de couro cru. Correndo descalço pelas trilhas, pisando as enxurrada após as longas chuvas que caiam naquela mansidão, reguladas pela natureza que estava sempre tolerante e disposta a perdoar os homens que lhe causavam os pequenos arranhões com suas ferramentas rudimentares em busca do pão de cada dia. São estas lembranças que arraigadas em minha personalidade eternizam uma saudade louca e um desejo de vivenciá-las novamente a todo o momento.
Um dia este mundo mágico foi trocado por outro um pouco diferente, chegou o momento de freqüentar a escola, e toda aquela magia foi engavetada em minha mente, cedendo espaço a uma nova realidade que surgia e meu sonho de criança tornaram-se apenas recordações transformando em nostalgia.



 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 11/07/2011
Reeditado em 12/03/2019
Código do texto: T3087744
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