No Escurinho do Cinema
Em 28 de dezembro próximo passado, o cinematógrafo dos irmãos Lumiére completou 115 anos, este fato me inspirou para escrever o “causo” de hoje sobre o velho Capitólio, cinema da minha cidade, Campina Grande- PB., fundado em 1934, quando inaugurado foi considerado o maior cinema do Estado. Hoje fechado, abandonado e entregue as baratas.
Minha convivência com o velho Capitólio remonta de longas datas, podemos dizer, que fomos garotos da mesma época, e vizinho por mais de 10 anos, quando em 1944 fui morar na Praça Clementino Procópio, bem por traz do Capitólio
O velho cinema fazia parte do meu dia-a-dia, eu o considerava uma extensão da minha casa, dada a nossa proximidade e convívio diário. Seus funcionários eu os conhecida de cor e salteado, do gerente ao carregador de cartazes, do porteiro ao vaga-lume, figuras estas que ficaram gravadas no meu subconsciente, tais como o gerente “seu” Getúlio Cavalcante, senhor, alto, magro e austero, do qual a garotada morria de medo. que, por diversas vezes me expulsou do seriado das tardes do domingo, me conduzindo pela orelha, só porque, num total desrespeito ao distinto público, eu subia até o primeiro andar, (balcão), onde ficava a cabine de projeção e mais umas 100 poltronas, “local onde a molecada chamava de poleiro” e “dava dedo” colocando a minha mão na frente do foco do projetor, só para ver o meu dedo projetado na tela, exatamente no momento mais importante da matinê, na hora do “Perigo da Série” deixando centenas de garotos P. da vida. Outra figura que guardo boas recordações , era do “seu” João “Tubbarão”, um dos porteiros, velhinho franzino que usava óculos com lentes do tipo “Fundo de garrafa” dado o seu grau de miopia. Quanto lhe agradeço “seu” João por ter me deixado entrar tantas vezes , nas noites de sexta-feira, para assistir os seriados, quando me faltava os $600 reis da entrada, tudo isto graças a sua santa miopia, conforme passarei a narrar:
“Quando me faltava o dinheiro para comprar o ingresso, eu conseguia um pedaço de papel daqueles de embrulhar pão, ( que vinham em bobinas e ficavam sobre o balcão) sendo da cor do ingresso do dia, com o papel na mão, entrava na fila, naquele empurrs-empurra da molecada, entrevava-o ao “seu” João “Tubarão’, míope como era, ele nem percebia, a coisa era tão fácil como tomar doce de criança”
Outra coisa que guarda boas recordações do velho cinema, era dos seus “Gaiatos”, pessoas que nos faziam rir exatamente durante a exibição de cenas que exigiam maior concentração do público e a sala de projeção naquele silencio absoluto.
Certa noite fui ao Capitólio assistir ao filme épico “Maria Antonieta”, quando um dos “gaiatos” aplicou uma das suas, acho que o sujeito já havia assistido o filme anteriormente, pois, ele sabia exatamente o momento de atacar.
A cena era a seguinte: Maria Antonieta havia sido condenada a morte e seria decapitada na guilhotina. Ela vinha caminhando em direção ao cadafalso a frente de um grupo de guardas, ao seu lado um frade lhe acompanhava rezando pela sua alma. A guarda para em frente ao patíbulo e Maria Antonieta passa a subir a escada acompanhada pelo frade; na sala de projeção o silencia era total, todos chocados com a cena, quando Maria Antonieta chega ao último degrau se preparava para pisar no tablado, alguém no meio da platéia da sala de projeção grita:
- MARIA ANTONIETRAAA !
Na tela Maria Antonieta vira-se em direção ao público como estivesse atendendo ao chamado do “gaiato”. Este não perde tempo e volta a gritar:
- Não é nada não ANTONIETA, pode ir minha filha !
Naquela noite o velho Capitólio quase veio abaixo com o ruído de uma gostosa e estrondosa gargalhada de mais de mil pessoas. . .