Vaqueiro Encourado
Bastião acordara com uma dor de dente dos diabos. No dia anterior, na hora do almoço ao comer um pedaço de rapadura havia quebrado um dente “queiro”. Seu rosto estava inchado e Bastião estava encabulado de ir a feira naquele estado. O que pensariam os seus amigos se o vaqueiro do Dr. Raimundo se apresentasse naquela situação ?
Estava resolvido. Naquele dia quem iria à feira seria a sua mulher Zefa. Bastião põe a cangalha no jumento, coloca os caçoais e por fim põe o seu filho na garupa do animal. Tudo pronto, Zefa parte em destino ao pequeno povoado para fazer a feira da família.
Feira de vaqueiro não tem lá muitas coisas a serem compradas e em menos de meia hora Zefa já estava pronta para retornar a fazenda. Haviam sobrados alguns trocados, então Zefa resolveu levar alguma lembrança para o marido. No único banco de miudezas existente na feira, depois de muito procurar, escolhe o presente, um pequeno espelho redondo, no verso do qual havia gravado um escudo do Flamengo. Bastião há anos havia trabalhado no Rio de Janeiro como servente de pedreiro e quando retornou contou para a mulher que num determinado domingo havia ido ao Maracanã para assistir um Fla-Flu. Naquele jogo o Flamengo havia ganho e por isto Bastião o elegera o seu time. Aquilo ficara gravado na memória da mulher :
- “O time de Bastião é o Framengo”
Quando Zefa chegou em casa, antes mesmo de descarregar a feira, vai a procura do marido para lhe entregar o presente. Basstião recebeu e não falou nada. Chegou até a pensar:
- Espêio é coisa de mulé !
Quando a mulher se afasta, Bastião de espelho na mão, descobre uma serventia para o mesmo, iria dar uma olhadela no dente que quebrara no dia anterior. Vira-se em direção ao sol e abre a boca ao máximo e com o espelho na mão procura localizar o dente quebrado. Enquanto isso, Zefa já havia acabado de guardar a feira e agora caminha em direção ao marido para saber se ele havia gostado do presente. Aproxima-se vagarosamente, e. . .
- Oh Bastião !
Bastião que estava distraido e entretido observando o dente, com o susto perde um pouco o equilíbrio e o espelho caí diretamente na sua boca. Sem maiores explicações Bastião havia engolido o espelho. Sufocado fazia gestos para a mulher pedindo um pouco d’agua. Zefa corre até o pote e trás um grande caneco cheio de água, Bastião tomou-o de um gole só, e. . .
- GUTEE!
E lá se vai o espelho de guela abaixo. Para arrematar a mulher havia dado ao Bastião um punhado de farinha para facilitar a descida do espelho. Naquele dia Bastião trabalhou e dormiu normalmente, chegou até a comer uma buchada de bode.
Na tarde do dia seguinte, Bastião estavas limpando um mato do seu roçado, quando de repente passou a sentir uma forte dor de barriga. Jogou na enxada de lado e saiu correndo a procura de um capão de mato onde pudesswe fazer suas necessidades. Acocorado fazia força para aliviar a dor, mas, o maldito espelhinho obstruía a passagem. Por mais que tentasse não conseguia aliviar a dor. Ele agora gemia e suava frio e nada, Bastião passou a chorar de dor e de agonia, quando de repente, escuta atrás de si o tropel de um animal, vira-se bruscamente e vê o seu compadre e também vaqueiro Romão, este se aproxima, Bastião encara o compadre e grita:
- Cumpade, to, morrendo me acuda !
- O que ocê tem homé ?
- To inturido cumpade !
Romão se aproxima e pede ao compadre para subir numa forquilha de um umbuzeiro, pois assim ele poderia observar melhor o que estava acontecendo com o amigo. Bastião mesmo encabulado, atende ao pedido do compadre, e . . .
- Ta vendo arguma coisa cumpade ?
Romão aplica a vista e vê a sua imagem refletida no tal espelhinho, então:
- To cumpade, to vendo um vaqueiro todo encourado !
- Cumpade, arrepare dirreitinho e veja se ele tá de espora . . .