Quê comunismo é esse?
Na minha infância, lá no início da década de 60, antes de dormir à luz de uma lamparina, ficava junto a meu pai ouvindo a rádio Nacional. Rádio a pilha, uma chiadeira que doía, mas como era novidade, até eu, moleque sem penugem, abraçava meu pai naquela empreitada. Aquilo para nós, lá no meio do mato era muito melhor que apertar hoje um botão na internet e aparecer uma Giselle nua. Meu pai, coitado, se extasiava e fazia com que eu também ligasse no assunto.
“Hora do Brasil” então! Nenhum pio a não ser dos trovões que o sinal da rádio ia para o espaço, motivo pela qual meu pai ficava nervoso e começava a discutir com minha mãe por coisas banais.
E meu pai detestava a palavra comunista como se fosse um capeta. E realmente a fama que a segunda guerra mundial deixou era esta. O comunista mata crianças indefesas, o comunista é racista e coisa e tal...
Hoje, dia 03/02/ll; volto ao mesmo fogão de lenha, rebentando pipoca para minhas filhas e a mais velha, já cursando uma universidade me perguntou:
- Qual sua opinião sobre o comunismo pai?
- Uai minha filha, do pouco que sei de história, para mim comunismo e democracia andam juntos.
- Está ficando doido pai! Já dizia a filha do meio, pretendente a vestibular. No comunismo...
- Nasceu na Alemanha, já dizia a terceira filha cursando o colegial, para também participar da prosa e provar que estava por dentro do assunto. Tentei dizer que achava que o narcisismo americano antecedeu ao comunismo, mas... Entre as pipocas rebentando e as filhas discutindo, a mais velha repetiu a pergunta: Mas qual a sua opinião sobre o comunismo pai?
- Uai minha filha, no meu modo de entender, todo governo é comunista. Essa errônea idéia que no comunismo o estado reparte a riqueza com a população é para “inglês ver” como se diz no popular. O poder atropela os instintos humanitários dos seres humanos. Prova disso é que os ditos países chamados comunistas estão todos falidos.
- Mas então você quer dizer que o sistema político do Brasil é um comunismo?
- Calma filha, ainda chegaria lá. Nosso suposto sistema democrático financeiro também é um comunismo, mas de outro tipo. Temos liberdade de ascender uma lâmpada, temos a maior bacia hidrográfica do mundo, mas o preço da lâmpada acesa nos faz apagá-la; temos o livre direito de andar por onde quisermos, mas somos inibidos pelo preço do combustível, talvez o mais caro do mundo; e dizem as más línguas que somos auto-suficientes. Também não saímos pelo risco de assaltos, preferimos ficar trancados dentro de casa mesmo. Temos liberdade de expressão, mas ninguém coloca um artigo meu no jornal da cidade porque o prefeito “encampou” todos os jornais como se fosse um bem público. Antigamente, nas prefeituras existiam câmaras de vereadores e existia até oposição, acredita? Na esfera estadual mesma coisa, federal idem.
- Chega pai, vamos jogar buraco! Gritou a filha mais nova.
- Deixa eu terminar minha filha. Nessa democratidura financeira em que vivemos troca-se algumas peças, mas o “esquema” continua. Isso também é comunismo porque se enriquecem uma minoria e distribuem salário de fome para alguns a troco de votos...
- Mas o Lula foi bom para os brasileiros...
- Claro. Num país que casais produzem filhos a troco de trinta reais para beber cachaça; num país que existe o empréstimo consignado de aposentados, num país que os banqueiros captam dinheiro lá fora a dois por cento ao ano e emprestam o povo brasileiro a mais de cem por cento, num país em que os banqueiros é que bancam...
- Pai! Nós estávamos falando de comunismo!
- Quer comunismo maior de que esse minha filha?
- Vamos jogar buraco ou não?
- Esqueci do Palocci, do Zé Dirceu, do Genuíno, do Lulinha...
- Pai!
- Porque não jogamos damas?
- Mas damas eu não sei jogar.
- Boa noite pai.
- ...
Antes de dormir ainda escutei uma de minhas filhas falando: Cadê aquele tal de Marcos Valério?
- Parece que ainda está preso.
- Coitado, aquele só era o peão...
- Xadrez não minha filha! Já cansei de falar que não sei jogar! Já gritava sonolento, doido para acabar aquele assunto.
JOSÉ EDUARDO ANTUNES