O CUMPADRE QUE CAVOU SUA PRÓPRIA SEPULTURA
- Cumpade, bamo ali cumigo?
- Donde cumpade?
- Lá no arto da serra.
- Mais nóis vai fazê oquê nasquela artura?
- To ficano perrengue cumpade...
- E daí...
- Mais cê num lembra?
- Lembrá de quê cumpade?
- Sempre te pidi que se morresse primero quiria sê interrado lá no arto da serra.
- Discurpe cumpade, tinha isquicido.
- Antão bamo?
- Mais ocê num morreu ainda!
- Bamo lá fazê o buraco naquela grota...
- Bamo largá mão disso cumpade?
- Caos de quê?
- Uai, deve sê munto dos triste fazê a própria cova cumpade!
- Mais senóis num fizé agora, quando eu morrê meus fio vai me jogá nasques buraco de cimitério e num quero i pra lá! Já te falei!
- Carma cumpade, carma...
- ...
- Tem um povo que gosta de sê quemado dispois da morte.
- Credo cumpade, isso deve doê munto!
- Tem uns lugá quês joga os difunto no rio...
- Não, afogado eu num quero não!
- Mais cê já vai tá morto memo!
- Quem te falô se nunca morreu?
- Antão tá bão cumpade, bamo lá fazê esse mardito buraco.
Sai os dois serra acima com picaretas, pás, cordas com latas para tirar a terra do buraco...
- Mais praquê essas corda cumpade?
- Quero um buraco bem fundo...
- Praquê cumpade?
- Longe dos urubu, dos escaravelho, do gerente do banco, dos políticos, dos falsos pêsames, do choro sem lágrimas, da gastança com flores murchas, da sogra...
E cavoucaram a tarde inteira .O buraco tinha virado uma fossa, tamanha a disposição do futuro defunto. Ficava lá embaixo cavando e enchendo a lata de terra.
- Puxa cumpade!
- Chega não cumpade?
- Hein? Dá mais corda!
Lá pelas sete horas de um escaldante sol do horário de verão, quando o futuro defunto pediu mais corda, o compadre deu corda com força, motivo pela qual o futuro defunto foi obrigado a enrolá-la no corpo para não atrapalhar-lho encher a lata.
- Pera aí cumpade!
Mas o bom compadre entendeu outra coisa. Enquanto puxava a corda escutava uns sons parecendo de risos e perguntou:
- Está rindo de quê cumpade? Tem medo de morrê não? Porra de terra pesada sô! To cansando dessa bobage cumpade! Bamo largá mão disso, sô?
Como não estava dando conta de carregar aquele peso, escorou o pé numa pequena árvore e acabou sua tarefa. Levou um susto danado quando viu a lata de terra vazia; amarrou a corda na pequena árvore e foi dar uma olhada no motivo daquele peso todo. Dependurado nas paredes de sua própria sepultura jazia o compadre enforcado por suas próprias cordas. Não sabia o que fazer. Meu Deus, pensava... E agora? Se chamar os longínquos vizinhos serei chamado de criminoso; se for na Vila e chamar alguma autoridade ninguém vai acreditar em minha história... Eh cumpade, pisou na bola cum força sô! Cumé queu fico livre docê sô?
Como tinha escurecido de vez, achou que tinha tempo. A primeira idéia foi jogar o compadre lá embaixo e encher aquele buraco de terra, já que era o desejo do já falecido. A consciência doeu, resolveu descer o compadre bem devagar porque tinham sido amigos pela vida inteira. Desamarrou a corda da árvore e foi soltando a corda devagar... Vá com Deus... Me desculpe...Não vou ficar com a cumadre, prometo...
- Oquê? Gritou forte a comadre bem atrás dele e trazendo a vizinhança consigo. O susto foi tão grande que o compadre morto puxou o compadre vivo para dentro daquela fossa
Moral da história: “Todo mundo cava sua própria sepultura; infeliz é aquele que segue os mandamentos do outro e acaba caindo no mesmo abismo.”
JOSÉ EDUARDO ANTUNES