O Caso do Atrasado... Ou do Apressadinho?!
I
No momento em que aquele reclamante de rosto amargurado se apoiou no balcão de madeira que guarnecia a minha Secretaria, desviei os olhos até o relógio de parede e vi perfeitamente que eram oito horas e dezenove minutos. Lembro-me de ter fixado um olhar demorado naqueles ponteiros afilados e ligeiros e que eles marcavam exatamente aquele horário. O homem chegara à audiência com quatro minutos de atraso e não conseguira entrar.
Ou melhor, entrar na sala de audiências até que lhe fora permitido. O problema é que o juiz imediatamente pediu que ele se retirasse e que tentasse resolver a sua dificuldade no balcão de atendimento. E foi então que eu tive a honra e o prazer de conhecer o seu José Antônio, personagem principal desta história.
Há exatos quatro minutos o datilógrafo chamara a presença das partes referentes ao processo das oito horas e quinze minutos e, como se sabe, na ausência do reclamante arquivam-se os autos.
Como nos informa o artigo 844 da Consolidação das Leis do Trabalho, "O não comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não comparecimento do reclamado importa revelia, além da confissão quanto à matéria de fato".
Mas ao homem pouco importava a tal “revelia”, a “confissão” e a “matéria de fato”. O que ele não se conformava era com o arquivamento do seu processo. E, desgostoso, só sabia dizer:
- Foram só quatro minutos de atraso, seu Luís, quatro minutinhos... Não acredito! O juiz podia ter relevado e esperado um pouco mais... eu já estava a caminho, estava quase chegando!
II
Dentro da sala de audiências – portas fechadas e discussão seguindo a pleno vapor! - já se encontravam presentes as partes e os procuradores pertencentes à audiência seguinte.
Eu mesmo, o atendente – se não buscava de fato e declaradamente fornecer algum tipo de auxílio ou consolo moral para o tal sujeito – ao menos tentava diminuir os efeitos daquela perda e sugerir novas opções de ação e pontos de vista diferentes.
- Mas seu José, não há motivo para que o senhor se desespere e nem que se desgaste tanto! Afinal – insisti - nada está perdido: basta que o seu advogado entre com um novo processo para que daí a 10 ou 15 dias esteja marcada nova audiência. Agora é tomar cuidado e sair de casa um pouco mais cedo para não se atrasar outra vez...
- Não acredito, repetiu ele uma última vez.
Então – no objetivo de tentar resolver de vez aquela dificuldade no atendimento do balcão - pedi ao homem que me informasse o número do seu processo. Eu iria verificar acerca da existência de algum documento a ser devolvido a ele.
III
Mas assim que digitei o número do processo no teclado do computador, tive de imediato uma agradável surpresa: a audiência do seu José Antônio não havia ocorrido nesta agitada manhã do dia 29 de agosto, às oito horas e quinze minutos. Em verdade a audiência daquele reclamante amargurado estava designada para o dia seguinte, 30 de agosto, naquele mesmo horário e local.
Conclui rapidamente que o seu José Antônio não se apresentara à audiência com quatro minutos de atraso. Ele viera fora adiantado em nada menos do que vinte e três horas e cinquenta e seis minutos. De um momento para o outro o homem passara de “atrasado” a “apressadinho”.
E assim que lhe dei a notícia alvissareira vi seu rosto se iluminar e toda a sua atitude se alterar completamente: de abatido que aparentava se encontrar, passou a expressar o sorriso mais singelo e confiante que eu jamais houvera visto em minha vida.
Fora como se naquele momento todos os problemas do mundo se houvessem esvaecido e se solucionado como num simples passe de mágica.
Ele então agradeceu, se despediu e se foi. Aparentemente ia caminhando todo feliz da vida! E na medida em que se afastava pelo corredor do edifício rumo ao elevador, eu o via dar pequenos saltos e esquisitos remelexos com a parte superior do seu esqueleto magro.
Lembro de ter imaginado que aquele tique nervoso certamente deveria ser fruto e resultado da mais pura alegria e satisfação com que o espírito do homem se achava possuído naquele momento...