Lamento funesto!
- Morri...
Ataque cardíaco fulminante. Desde muito sedentário e fumava a todo instante. Foram 30 anos ininterruptamente, de contáveis carteiras compradas diariamente. E agora cá estou: com o paletó de madeira que a morte abotoou.
Como cheguei a este ponto? (pigarreando)... Desculpem-me, já lhes conto. Essa tosse não me cessa nem depois que passei dessa! Comecei ainda moço, entre cerveja, cigarro e uma porção de tremoço. Tornei-me um boêmio atuante... Vida de um eterno errante!
Cachaça eu não bebia não, mas em compensação... Era ver loira gelada que alternava da bebida a fumaça da tragada... Mas não vem com maconha não! Só pito cigarro legal, mesmo que diziam fazer mais mal!
Claro que não bebia nem fumava a revelia, sem primeiro encher a barriga, pois quem consegue se manter sem um pouco de comida? Eu me preservava, ao menos eu achava. Nunca pensei que um dia, morto assim eu estaria.
Nem sempre foi assim, pois fui um bom menino antes de ter esse fim! Fui atleta de verdade de uma porção de modalidade... Do basquete ao futebol, da raquete ao biribol... Mas, em meio ao saudável, topei o abominável! Tentação que amigos me lançaram... Os tais indignos que não vieram e nem velaram...
Melhor mesmo seria se tivesse escutado minha tia...
- Não acompanha estes bandidos que “cê” te levam pro perdido. “Cê” tem uma namorada e ela merece a um camarada, que a complete plenamente como a um homem decente.
Escuta meu amigo, nem mais me lembrava desse sonho antigo. Maria! O nome dela... Mulher nenhuma era mais bela! Morena, bonita e arretada... Não me deixava fazer nada. Só um beijinho que eu dava pouco mais que um selinho... Pensava extasiado o que eu faria de bom grado se Maria me deixasse que seu corpo eu explorasse... Ah! Seria tanto frenesi que nem me atrevo contar aqui...
Infelizmente eu entrei em errada tentação, e ela me largou sem a menor emoção... E nem notou como eu fiquei... Os prazeres da bebida maquiaram a ferida que sua ausência deixou. Pouco tempo se passou, eu era mais um embriagado, um fumante inveterado e prostrado cá estou! Inerte e gelado, num caixote malfadado fora só o que me restou!
Pudera de novo eu ser criança... Brincando numa dança ou num jogo com os amigos, nem de longe essa lambança de viver esse perigo... Meus pais me confortando, protegendo e encaminhando pra o que eles sonhavam... Mas este fim me acometendo e desta vida eu passando eles nem imaginavam.
O melhor de nossa vida nem de longe é lembrado! Bom se a mãe fosse proibida de nos parir pra esse lado... Dentro daquela barriga, a existência é blindada contra algo desalmado! Melhor sorte também pode, se é o bem que se apresenta, livrando a tentação que torna a vida uma tormenta! Nessa fase tão sublime isso seria um crime... Nem me intime, nem me aventa!
Imergindo de mansinho nesse lúdico caminho, me permito novamente colocar-me em meu ninho... Protegido pela mãe me embalando com carinho. Intacto no ventre em corpo, alma e mente... Calor humano imortal, nutrindo o amor incondicional!
Enfim, poderia em novo instante, brotar-me em nova vida, infante... E diria:
- Nasci...