A HISTORIA DO NEGRO CUSTODIO IV

Quarta Parte - A Trapaça

Vosmice é testemunha de como minha fama de benzedor e curandeiro se espalhou rapidamente pela região a partir daquele dia e nesses anos todos fui procurado por muitas pessoas que até perdi a conta, nunca disse não a ninguém e em minha reza nunca falhei, ou curava ou já precavia os familiares do pior, sempre com a presença e orientação daquele homem, que se prostrava, ora nos pés, ora na cabeceira dos doentes e por todos este anos o velho companheiro, que depois de ter ajudado na travessia do rio troquei uma só palavra e depois do encontro naquela noite no vosso leito nunca mais me disse coisa alguma, pois praticamente me encontrava com ele somente nestes momentos, mas nunca me deixou só e mesmo nos casos mais corriqueiros lá estava ele, silencioso e com um discreto sorriso nos lábios.

Vosmice mais do que ninguém sabe que desde que ti curei passei a minha vida toda imbuído nesta gratificante missão de estar a serviço do povo do lugar, procurando sempre consolar as pessoas, pois esta é a vida nossa de cada dia e nunca cobrei um tostão de ninguém a exemplo de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

Noites destas estava eu aqui em casa sossegado quando alguém bateu palmas lá fora, me chamou pelo nome:

— Negô Custódio, Negô Custódio.

Acordei num sobressalto com os cachorros latindo. A Voz repetiu:

— Ôôôôô ! Negô Custódio!

Levantei-me rapidamente e fui atender a pessoa, a noite estava fria e chuvosa e só alguém com sérios problemas estaria andando estas hora. Dito e feito, era o capataz de um fazendeiro distante daqui que pela urgência do caso, pedia a minha presença lá, o motivo me informou o mensageiro, era filha única do seu patrão que estava muito mal, prestes a morrer. Imediatamente arriei minha égua baia e rumamos para a tal fazenda, aonde chegamos por volta do meio dia.

Os pais da menina estavam aflitos e vieram ao meu encontro, depositando toda confiança, como se o Deus em pessoa tivesse ali chegado e imediatamente me conduziu ao quarto da enferma. Fiquei inebriado com a beleza da jovem e não contive a emoção quando o velho amigo de tantas lutas se posicionou na cabeceira da cama, sinal evidente de que a morte era certa.

Diante do desespero dos pais e ante a beleza da jovem adolescente, não entendi aquela ação, pois a mim parecia que a menina ainda tinha muita vida pela frente. Matutando no que dizer aos pais diante da realidade e ao mesmo tempo, procurando uma forma de amenizar a situação me veio a brilhante inspiração de simplesmente mudar a posição da cama em relação ao quarto e de tal forma que o homem não ficasse na cabeceira da cama. Não pensei duas vezes, orientei o fazendeiro no que deveria ser feito, imediatamente as ordens foram repassadas aos empregados e o serviço foi realizado. Observei o velho amigo de tantas glorias que agora permanecia aos pés da cama da donzela e ali ficou inerte e como de costume sem dizer uma palavra sequer. Como o homem não mudou de posição nem esboçou qualquer manifestação contraria, sinal de que a minha atitude havia mudado a historia da jovem doente: a donzela seria curada.

Fiz então as minhas orações como sempre, o mensageiro sorrateiramente saiu do quarto e a menina foi apresentando melhoras, permaneci aquele dia lá e na manhã seguinte, a menina já estava praticamente curada, despedi dos familiares e voltei pra casa pensando na grandiosidade do ato praticado e na astucia deste pobre negro. Fiquei radiante de alegria, senti naquele momento que toda situação difícil tem sempre uma boa forma de contornar, e esta com certeza havia sido mais uma das inspirações divinas entre tantas que tive durante este meu ministério de benzedor curandeiro e que me redera tanta fama. Meu coração se encheu de orgulho, pois agora também tinha o dom de decidir sobre a vida e a morte de alguém, tinha a certeza de que estava me aperfeiçoando cada dia mais e me senti um verdadeiro deus, apesar de não menosprezar o trabalho daquele homem que se intitulou sendo a morte e que certa vez num passado não muito distante, eu o ajudei a atravessar o rio e que por isso me abençoou com o dom da cura.

Segue Parte V ...

Maciel de Lima
Enviado por Maciel de Lima em 11/02/2011
Código do texto: T2785877
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