A HISTORIA DO NEGRO CUSTÓDIO II
Segunda Parte - A Revelação
“Meu amigo de quantos janeiros, de quantas festas e de quantos bailes juntos, nunca houve qualquer entrevero entre nós, crescemos praticamente juntos só que vosmice constituiu família, teve esposa e filhos, eu preferi ficar solteiro, queimando minhas latas porem sem rabo de saia pra companhia, mas agora te digo, como é bom ter um amigo nestas horas, com quem a gente possa confiar um segredo guardado a sete chaves por anos a fio, sem confidenciar com ninguém, agora chegou o momento, não tenho muito tempo, tudo aconteceu , lembro-me como se fosse ontem, estava vindo de um baile que havia acontecido na casa do finado coronel Teodoro, o amigo lembra muito bem, éramos jovens e passamos a noite no baile e quando saímos, vosmice e suas irmãs foram pra casa de seus pais e eu pra minha, o céu já dava sinais da aurora, havia chovido muito naquela noite, mas de madrugada a chuva deu uma trégua porem a estrada estava muito lamacenta, caminhava descalço, com as barras da calça arregaçada até o joelho, trazia em uma das mãos, o velho par de botinas. Lembro-me como se fosse hoje, com a chuva forte, o rio havia transbordado e a água cobria a ponte, alem do que, alguns metros antes e igualmente depois, a lama trazida pela forte enxurrada era de atolar até os joelhos. Ao me aproximar do ribeirão, um homem desconhecido estava às margens da estrada. Trazia nos ombros uma capa gaúcha preta que provavelmente o protegeu da chuva, porem não se arriscava atravessar o riacho. Ao me ver, o homem já de meia idade, me cumprimentou e cordialmente e pediu com delicadeza que o ajudasse atravessar o rio. O amigo sabe que nunca fui de negar ajuda a ninguém então, apesar do cansaço da noitada, prontamente atendi o seu pedido, agachando, solicitei que o desconhecido subisse em meus ombros e o levei do outro lado do rio. Já em terra firme, o homem desceu de minha cacunda e me agradeceu de uma maneira um tanto quanto estranha, dizendo:
___ Eu sou a morte. Estou a caminho de uma escolhida.
Apesar da seriedade de suas palavras, pensei que fosse apenas uma brincadeira para descontrair, mas o homem continuou a falar:
___ Não precisa ter medo bom rapaz! Em agradecimento a sua gentileza e em compensação ao serviço prestado, a partir de hoje serás meu ajudante e um grande curandeiro nesta região. As pessoas irão ti procurar quando tiverem um enfermo em casa e teu coração será incapaz de dizer não, assim e a cada doente que visitar eu estarei lá pra te ajudar. Observe bem este sinal, se eu ficar aos pés da cama, reze e indique algum chá ou simpatia, o enfermo vai ser curado e logo voltara ao convívio de seus familiares, porem, se eu me colocar a cabeceira, não desengane a família, este será o sinal de que o doente morrerá em breve.
Ao ouvir aquelas palavras assustei, mas continuei calado e o homem prosseguiu:
___ Mas não se preocupes, isso é um trato entre nós, somente você irá me ver e ouvir minhas recomendações, mais ninguém há de notar minha presença no quarto.
Quando cai em si, como num relance, aquele homem já havia desaparecido de minha frente. Sem entender patavina, apesar de ser homem corajoso o negro aqui tremeu, um arrepio me subiu pela cacunda e segui pelo caminho guardando esta estranha visão em meu pensamento, seria porventura alguma alucinação, bebida de álcool vosmice sabe que nuca fui de botar em minha boca. Cheguei em casa o dia já estava clareando, mamãe já havia levantado e feito café, apesar de ser domingo a negra gostava de madrugar. Tomei banho, um café reforçado com bolo de fubá, depois fui me deitar e cansado da noitada logo adormeci. Dormi até a tardinha e quando me levantei, mamãe contou da morte de Dona Aurora, uma senhora já de idade e que andava adoentada, era uma parteira e benzedeira muito conhecida no bairro e vizinhança, acredito que vosmice se lembra dela, verdade é que levei um baita susto, ao receber a noticia, senti novamente aquele arrepio subindo pelas costa e veio novamente em minha mente as palavras daquele senhor que havia auxiliado na passagem do rio, mas não disse nada a ninguém."
Segue Parte III ...