Conto número 3 - O início de todas as coisas
Num dia – um desses comuns – ouvi alguém dizer: “o número três é o início de todas as coisas”. Aquilo não saiu mais da minha cabeça. Onde quer que eu fosse, lá estava ele, o número três. Não achava isso ruim. Tampouco o número aparecia, do nada, como num thriller de horror. Eu é que o localizava em quase todas as coisas que via. Era até divertido no início mas, algo faltava nisso tudo. Como podia o três ser o início de todas as coisas se tudo começava do número um, ou às vezes do zero? Aquilo me deixou intrigado e perdi o sono uma, duas, três vezes! Exatamente três vezes. No quarto dia eu dormi como um cordeirinho. Sei que era psicológico, ao menos foi o que eu pensei no início. Levantava feliz num dia e assim continuava até o terceiro. Não existia nada que continuasse por mais de três dias. Absolutamente nada. Resolvi então estudar a extensão de todos esses acontecimentos. Comecei com algo fácil, comum. Tomei banho por três dias seguidos, demoradamente, lavando minha cabeça com bastante xampu. Ao sair do banho, logo no primeiro dia, propus a mim mesmo a não tomar banho no dia seguinte. Pois não é que no dia seguinte fez um calor de rachar e mesmo não querendo eu tive que tomar um banho. Até então eu pensei: “vou tomar banho de outro jeito”. Nada! Nem dei conta de mim, só sei que percebi que havia repetido tudo da mesma forma do dia anterior. Chocado e sobressaltado, não me rendi e planejei tomar banho no dia seguinte e em todos os outros para provar que conseguia quebrar o estigma do três. Terminado o banho do terceiro dia senti-me feliz por saber que quem havia decidido aquilo havia sido eu mesmo. Passei a noite acordado e entrei na madrugada. Como já era um outro dia pensei em já tomar o tal banho. No realizar das coisas, acabei me sentindo cansado e dormi. Quando acordei, já era madrugado do dia seguinte. Eu havia passado o dia todo dormindo. E não foi só isso, duas horas depois que eu tinha acabado de acordar, me deu um sono tão forte que acabei adormecendo novamente. Resultado: acordei na madrugada do dia seguinte e voltei a dormir duas horas depois. Ao final do terceiro dia – dormindo sem parar e sabendo que isso não se repetiria – tentei algo que teria mais controle: comer uma pizza de mussarela – a mussarela foi um toque genial, pois imaginei que todos os outros ingredientes poderiam acabar menos esse. Pedi a pizza no primeiro dia, no segundo e no terceiro. Quando chegou ao quarto dia, estava pronto para ligar para pizzaria quando peguei o telefone do gancho e percebi que estava cortado. Minha conta estava vencida. Eu estava dormindo no dia do vencimento e não me lembrei de pagar. Não vi problema nenhum. Peguei a chave de casa e saí para a pizzaria mais perto da minha casa. Fechada. Comecei a ficar nervoso já nessa primeira pizzaria mas, ao chegar na segunda, notei que estava aberta e que minha sorte estava para mudar. Pois não é que a segunda havia acabado justamente a mussarela e estava fechando por falta de queijo?! Perguntei qual era a pizzaria mais próxima dali e fui para lá. Essa estava fechada por causa de um aniversário. Tentei insistir, ofereci ao segurança cem pratas para me trazer um pedaço de uma pizza de mussarela. E ele me arremessou para fora do lugar e ainda ficou com minha nota. Rodei a cidade aquele dia todo, indo em todas as pizzarias possíveis e nada. Duas das pizzarias, para vocês terem uma idéia, estavam ardendo em chamas. Resolvi parar a busca e aceitar o número três em minha vida, antes que algum outro estabelecimento queimasse. Cheguei tarde em casa e quando abri a geladeira para comer alguma coisa, encontrei-a vazia. Resultado: fiquei três dias sem comer. Isso não é nada, não quero nem falar das vezes que fui roubado, atacado por cachorros, espancado por um lutador num bar e principalmente, do dia que achei que a mulher que estava me dando mole – e que levei para um banho de espuma na banheira da minha casa – era na verdade um travesti... maldito número três!