CORNO PERMISSIVO
Sem querer ir fundo na psicologia feminina, arriscaria o palpite de que o “machão brasileiro” teme mil vezes mais levar um par de chifres do que a mulher. Feitas as devidas exceções, claro, é próprio de todo ser humano, em se tratando de relacionamento amoroso, não admitir em hipótese alguma ser passado para trás.
Aqui, sem invencionice, vou anunciar uma exceção, muito excepcional, da qual tomei conhecimento pelo rádio. Em um programa matutino, de grande audiência, o simpático e popular apresentador presenteou os seus milhares de ouvintes com a pérola de corno permissivo que passo a pinçar.
O sujeito chama-se Nel, provável que um encurtamento de Manuel. Não pude captar se é Manuel; sei apenas que um pacato corno permissivo. Ele se expressa de modo desenrolado, bem fluente, embora tropece muito em muitos termos do idioma pátrio, naquela parte da ortoepia. Por exemplo, mais de uma vez, pronunciou “alogio”.
Pela mesma mulher, Nel foi corneado três vezes. Tomou conhecimento das três, até porque sua digníssima esposa – em todas as ocasiões que pulou a cerca – largou a casa. E voltava para casa, claro, quando não era bem correspondida nos amores. A primeira fuga foi com um motorista de táxi, mas não se deu bem, voltou tacitamente e foi aceita.
Como notasse que o marido era um banana que não se incomodava por levar cornos nas têmporas, então partiu para o segundo caso explícito, sei lá que tipo de gente ele era. Amigou-se, de novo arrumou as trouxas mais íntimas e foi morar com o gajo. E Nel, nem aí, sempre aceitando a mercadoria de volta à sua horta.
O terceiro e último declarado ‘affaire’ deu-se com um italiano. Esqueci-me de lembrar que Nel tem uma casa de pastos, onde também se bebem cervas geladas, água de coco e caipirinha à moda da região; um bar, tipo de restaurante de praia. O ilustre corno serve bem à clientela, com muitos turistas, e prima por mandar a cozinha caprichar na excelência da comida. Segundo o próprio, lá só é servida coisa boa.
Estabelecimento assim visitado por classe média, turistas do além-mar, coisa e tal, na terceira vez que Nel ficou sem a esposa por uma temporada a coisa ficou mais quente. Ela, esposa do manso corno, pegou barriga do italiano. O gajo, seguindo a norma dos amantes anteriores, deu para trás, arribou e levou para a Itália o nenê da mulher do Nel.
Resultado pragmático: outra vez o comerciante praieiro recebeu de braços abertos a doce e fujona Julieta. Entrevistado, no ar, pelo apresentador do rádio-show, Nel apregoou a paz e a concórdia, lá no vocabulário dele. E, num rasgo de eloquência, sapecou na cara dos milhares de ouvintes do Paulo Oliveira esta sábia e filosófica sentença – diga-se de passagem – uma joia humanística e até literária: “– Todo mundo precisa ser feliz.”
Gostei imenso, adorei pra cachorro a desenvoltura do camarada, espevitado e loquaz, ao microfone da emissora do Paulo Oliveira, o qual o entrevistou com toda a seriedade. Ou seja, com a dignidade que um grande corno – inofensivo e ordeiro – necessita e faz jus. Repito, o cara era até filósofo. Num dos trechos da falação, fuzilou assim: “– Tudo no mundo é passageiro. No ônibus da vida, o que não é passageiro é o trocador e o motorista.”
Nel não se lamenta de nada. De pé atrás, mesmo, só agora, que o italiano, o terceiro que lhe roubou a teteia, esteja é querendo levar a amada-amante para os confins da Europa. Quem sabe se porque, com o Atlântico no meio, dificulte o caminho da volta.
No papo informal, ao telefone, esse Nobel da paz da turística Prainha admitiu que, lá nos primórdios de ele tornar-se chifrado contumaz, quando ainda dava cavaco, ele chegou a apanhar da mulher. Ela batia nele, que era uma maravilha de fuzuê. Hoje, não, ambos vivem sob um céu de tranquilidade. De novo, rasgando filosofia, Nel saiu-se com esta: “– Quem não quer subir, não sobe. Ela não quer subir.”
Fort., 20/10/2010.