O SILENCIO DE DEUS
Tio Tertuliano na realidade não era parente consangüíneo de ninguém naquelas redondezas, mas por ser uma pessoa carismática todos o chamavam carinhosamente de Tio Tértu que por sua vez, se enquadrava como um verdadeiro líder espiritual de todos os moradores, principalmente dos jovens e em suas prosas sempre havia um ensinamento novo a aplicar e mesmo que já tivéssemos ouvido muitas e muitas vezes, era bom escutar os seus causos. Lembro-me certa vez que devido a algumas fofocas no pequeno povoado acabou criando um rebuliço danado entre duas famílias tradicionais, tio Tértu apaziguou tudo e depois em meios aos curiosos que ali se ajuntaram, falou sobre a preciosidade deste dom divino chamado silêncio.
Dizia tio Tértu que a muito tempo atrás, num lugar onde não havia chegado o progresso, existia uma pequena, porem bela Igrejinha encravada na encosta de uma montanha, quase no pico, lugar de difícil acesso, onde se chegava apenas escalando uma íngreme trilha, lá no seu interior um grande crucifixo de madeira, em tamanho aparentemente normal era o que chamava atenção dos fieis que sempre subiam morro arriba para as orações e em busca de um milagre, principalmente se estivessem passando por necessidade ou momentos antes de empreender qualquer atividade.
O lugar era deserto e um sacristão tomava conta da capela, zelava tanto do seu interior quanto do pátio e imediações, vivia praticamente isolado naquele ermo de Deus, alguns os chamavam de beato, outros de santo e outros mais o taxavam de doido, tal o tamanho zelo que tinha pelo lugar, a ponto de deixar sua juventude passar e viver em prol daquele santuário
Tamanha era a fé do rapaz, que certa vez, embebido em sua orações e ajoelhado ao pé da cruz, vendo o sofrimento de cristo, silencioso e ali, pregado no madeiro, tudo para remissão de nosso pecados pediu encarecidamente:
______ Senhor, quero padecer por vós, deixai-me ocupar o vosso lugar, quero substitui-vos na cruz.
Ainda orava quando o Cristo da Cruz comovido com tamanha fé quebrou o silencio de centenas de anos, abriu os lábios e falou ao servo;
_____ Querido Servo, sua oração foi tão sincera que cedo ao teu pedido porem tenho que impor uma condição.
As palavras caíram do céu tão sussurrante as ouvidos do Servo, que este com o rosto banhado em lagrimas perguntou:
____Qual é Senhor? Por mais difícil que seja, estou disposto a cumpri-la com vossa ajuda.
E o Senhor continuou:
____Escuta-me! Aconteça o que acontecer, veja seja lá o que for diante da cruz, em momento algum deves interferir, deves permanecer em silencio absoluto.
Diante de tal proposta, o sacristão não titubeou e prometeu que cumpriria a risca todo este preceito e fizeram a troca, o Sacristão assumiu o lugar do crucificado na cruz e Jesus assumiu o corpo do bondoso homem, tudo porem discretamente sem que ninguém percebesse a mudança e durante algum tempo tudo transcorreu normalmente.
Certo dia chegou diante da cruz um homem muito rico, trazia em suas mãos uma bolsa cheia de dinheiro, fez ali sua orações em voz baixa, quase um sussurro que ninguém conseguiu entender e saiu deixando a bolsa aos pés da cruz. Imediatamente se aproximou um maltrapilho, mostrando pelas próprias aparências ser um homem muito pobre, fez suas lamentações, pediu ajuda do alto e quando viu a bolsa, imediatamente tomou posse da mesma e saiu da igreja. Instante depois entrou um jovem metido num belo terno de caxemira, pediu ao senhor que o protegesse na viagem que estava prestes a fazer e quando esboçou sair da capela, retorna o homem rico furioso a procura de sua bolsa, não a encontrando imediatamente acusa o rapaz por ter apossado de sua bolsa e por mais que o jovem explicasse que não viu bolsa alguma naquele lugar, o homem histericamente o ameaça e quando está prestes a aplicar um corretivo com muita violência o sacristão da cruz quebra o seu voto de silêncio e em voz alta grita
______ Paraaa!
A voz vinda da cruz ecoou dentro do templo, o rico e o jovem ficaram estatelados ante ao ocorrido e olharam para a Cruz falante que diante daquela injustiça prestes a ser cometida, não conseguiu permanecer em silencio e defendeu o justo. Amedrontado homem rico saiu correndo daquele lugar e o jovem, com a pressa da viagem, também deixou o santuário cabisbaixo e em silêncio. Cristo na pessoa do Sacristão e que ouvira tudo a distancia, se aproximou e disse:
_____ Desça da cruz, não serves para ocupar o meu lugar, não sabes guardar silencio.
_____ Mas Senhor _____ Justificou o servo já fora da cruz _____ como podemos calar diante tamanha injustiça?
E Jesus reassumindo o seu lugar na cruz explicou:
_____ Que injustiça? O rico levava na pequena bolsa o preço da virgindade de um linda jovem ainda na adolescente e que fora vendida pela mãe, o pobre que apossou de sua bolsa era um homem muito doente, pai de família em desespero que sem emprego, já não agüentava ver os filhos passando por necessidade e o jovem bem trajado era uma pessoa muito honesta, temente a Deus e tudo o que fazia era sobre a benção do altíssimo, a agressão que iria sofrer por parte do homem rico o impediria de embarcar no navio que acabou de naufragar e o rapaz morreu afogado pois não sabia nadar.
Desolado o Sacristão acabou entendendo como o silencio é preciosos em nossa vida e muitas vezes ainda nos queixamos do Silencio de Deus ante aos nossos asseios, todos queremos ouvir aquilo que nos interessa, mas Deus age para nos dar vida, mesmo que muitas vezes essas ações pareçam ser contra os nossos desejos mundanos.